terça-feira, 4 de junho de 2024

Busca por unidade - Desafios e esperanças da Igreja contemporânea

Por Jânsen Leiros Jr.

 

 “O cristianismo significa comunidade através de Jesus Cristo e em Jesus Cristo. Nenhuma comunidade cristã é mais ou menos do que isso. Seja um breve, único encontro ou a comunhão diária de anos, a comunidade cristã é apenas isso. Pertencemos uns aos outros apenas através e em Jesus Cristo. O que isso significa? Significa, primeiro, que um cristão precisa dos outros por causa de Jesus Cristo. Significa, segundo, que um cristão vem aos outros apenas através de Jesus Cristo. Significa, terceiro, que em Jesus Cristo fomos escolhidos desde a eternidade, aceitos no tempo e unidos para a eternidade.”  

Life Together; Dietrich Bonhoeffer – pág. 87 (edição inglesa, Harper & Row, 1954); tradução livre

 

A unidade na igreja de Cristo, um ideal exaltado nas Escrituras, enfrenta desafios significativos na realidade contemporânea. As diversidades humanas — culturais, sociais, teológicas e pessoais — criam barreiras que muitas dificultam a coesão. As necessidades individuais, pretensões variadas e sonhos distintos têm gerado tensões dentro da comunidade cristã, testando sua capacidade de permanecer unida. No entanto, é precisamente no meio dessa diversidade que a verdadeira essência da unidade cristã pode brilhar, quando a igreja se compromete a superar essas diferenças em favor de um propósito maior: refletir o amor e a graça de Deus no mundo.

Desafios e Oportunidades na Pós-Modernidade

Que a unidade é um tema fundamental para a saúde e eficácia do corpo de Cristo, ninguém discorda. A dificuldade está em entender o quanto esta unidade é crucial para que a igreja se mantenha relevante e pertinente no cenário social contemporâneo. E é determinante que a igreja busque e mantenha essa unidade em todos os aspectos da vida da comunidade. A tarefa, no entanto, não é fácil. Especialmente em uma época de pós-modernidade[1], quando as pessoas são expostas a uma variedade de influências e pressões que podem dividir e fragmentar a comunidade.

A igreja é composta por indivíduos com diferentes experiências, culturas e perspectivas, cada um com suas próprias necessidades e desafios. Isso pode levar a uma diversidade de opiniões e práticas, que, se não gerenciadas corretamente, podem causar divisões e conflitos. Além disso, a igreja também é influenciada pelas pressões sociais e culturais do mundo exterior, que podem tentar desviar a atenção da comunidade de seu propósito e missão.

O texto bíblico é categórico ao afirmar que a unidade é essencial para a igreja. Em João 17:20-23[2], Jesus orou para que os seus discípulos fossem unidos, e em 1 Coríntios 12:12-26[3], Paulo destacou a importância da unidade no corpo de Cristo. Logo, a unidade não é apenas um ideal teórico, mas uma necessidade prática que deve ser buscada e mantida em todos os aspectos e circunstâncias.

Nesse contexto, é fundamental que a igreja busque compreender e abraçar a diversidade, ao mesmo tempo em que busca manter a unidade. Isso pode ser feito através de uma compreensão profunda de sua natureza como o corpo de Cristo, onde cada membro tem um papel importante e é interconectado com os demais. A igreja também deve buscar uma compreensão profunda da natureza humana e de suas necessidades, para se apresentar acolhedora e amorosa com todos, sem deixar a convicção e a segurança de seus princípios.

A Pós-Modernidade e a Unidade na Igreja

A pós-modernidade afeta a percepção de unidade na igreja de várias maneiras. Em primeiro lugar, a pós-modernidade caracteriza-se por uma crítica à ideia de verdade universal e objetiva, o que pode levar a uma relativização dos valores e crenças. Isso pode causar desacordo e fragmentação dentro da igreja, pois diferentes membros podem ter diferentes perspectivas e compreensões sobre a verdade e a realidade[4].

Além disso, a pós-modernidade também traz uma crescente influência da cultura secular e do misticismo, o que pode atrair indivíduos que buscam experiências espirituais e transcendentes, mas que podem não ter uma compreensão clara da natureza da igreja e do Evangelho. Isso pode levar a uma mistura de doutrinas e práticas religiosas, tornando mais difícil a manutenção da unidade na igreja.

No entanto, a pós-modernidade também apresenta oportunidades para a igreja se adaptar e se renovar. A busca por significado e propósito na vida pode levar indivíduos a buscar a verdade e a unidade em Cristo. A igreja pode se encarnar na cultura pós-moderna, utilizando a linguagem e as estruturas da sociedade contemporânea para anunciar o Evangelho e manter a unidade.

Mantendo a Unidade na Igreja

Para superar os desafios da pós-modernidade e manter a unidade, a igreja precisa se qualificar como povo de pessoas cheias do Espírito Santo, discernindo a vontade de Deus e sendo solidárias com os pecadores. A igreja também precisa priorizar a formação de relacionamentos fortes, a vida espiritual e a adoração, além de se posicionar em amor, diante das desafiadoras mudanças culturais e sociais.

Ou seja, a pós-modernidade apresenta desafios para a unidade na igreja, mas também oportunidades para se adaptar e se renovar, mantendo sua relevância social. Afinal, a igreja precisa se manter coesa para anunciar o Evangelho de forma eficaz.

Nos próximos textos, exploraremos algumas dimensões cruciais da unidade na igreja, apoiadas por referências bíblicas e comentários teológicos relevantes. Essas dimensões incluem a unidade em Cristo, a unidade em espírito, a unidade em amor, a unidade em missão, a unidade em liderança e a unidade em comunicação. Ao abordar essas dimensões, esperamos fornecer uma visão mais completa e profunda da unidade na igreja, e inspirar seus membros a buscarem essa unidade em todos os aspectos de sua expressão.



[1] A pós-modernidade é uma corrente cultural, filosófica e artística que surgiu na segunda metade do século XX, caracterizada por uma crítica às metanarrativas e às verdades universais defendidas pela modernidade. Aqui estão alguns pontos-chave para entender a pós-modernidade:

1.       Relativismo e Pluralismo: A pós-modernidade rejeita a ideia de uma verdade absoluta e objetiva, promovendo a noção de que a verdade é relativa e depende do contexto cultural e individual.

2.       Desconstrução das Metanarrativas: Grandes narrativas ou ideologias que pretendem explicar a totalidade da experiência humana são desconstruídas e vistas com ceticismo.

3.       Fragmentação e Diversidade: Ao contrário da uniformidade e coesão buscadas na modernidade, a pós-modernidade celebra a fragmentação, a multiplicidade de perspectivas e a diversidade de identidades.

4.       Intertextualidade: A ideia de que os textos e os significados são formados por referências a outros textos e contextos, e que os significados são instáveis e abertos a múltiplas interpretações.

5.       Hibridização Cultural: Mistura de estilos, gêneros e práticas culturais diferentes, rejeitando as distinções rígidas entre alta cultura e cultura popular.

6.       Desconfiança das Instituições: Ceticismo em relação às instituições tradicionais como a igreja, o estado e as instituições educacionais, que são vistas como fontes de opressão e controle.

7.       Simulacros e Hiper-realidade: No campo da comunicação e da mídia, a pós-modernidade enfatiza a prevalência dos simulacros (cópias sem um original real) e a hiper-realidade, onde a distinção entre realidade e representação se torna obscura.

Essas características mostram como a pós-modernidade desafia as certezas e estruturas estabelecidas, promovendo uma visão do mundo mais fluida e menos centrada em verdades universais.

O conceito de "mundo líquido" de Zygmunt Bauman está intimamente relacionado às características da pós-modernidade. Bauman usa o termo "modernidade líquida" para descrever a condição social, cultural e econômica da sociedade contemporânea, onde as estruturas e instituições são fluídas, mutáveis e instáveis.

[2] João 17:20-23 (ARA):

20 Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; 21 a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. 22 Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; 23 eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim.

Esses versículos destacam a oração de Jesus pela unidade entre Seus seguidores, desejando que eles sejam um assim como Ele é um com o Pai. Essa unidade é essencial para que o mundo creia que Jesus foi enviado pelo Pai e que os crentes são amados por Deus da mesma maneira que Ele ama Jesus.

[3] 1 Coríntios 12:12-26 (ARA):

12 Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo.13 Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.14 Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.15 Se disser o pé: Porque não sou mão, não sou do corpo; nem por isso deixa de ser do corpo.16 Se o ouvido disser: Porque não sou olho, não sou do corpo; nem por isso deixa de o ser.17 Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde, o olfato?18 Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve.19 Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo?20 O certo é que há muitos membros, mas um só corpo.21 Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós.22 Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários;23 e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior honra; também os que em nós não são decorosos revestimos de especial honra.24 Mas os nossos membros nobres não têm necessidade disso. Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha,25 para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros.26 De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam.

Paulo destaca a importância da unidade e da diversidade dentro da comunidade cristã. Ele compara a comunidade com o corpo humano, onde cada membro tem uma função específica, mas todos são necessários para a saúde e a função do corpo. Paulo afirma que, embora os membros sejam diferentes, todos são unidos em Jesus Cristo e que a unidade é essencial para a comunidade cristã. Ele também destaca que a dor ou a honra de um membro afeta todos os demais, e que a unidade é alcançada pelo Espírito Santo.

[4] Um especialista que discute a influência da pós-modernidade na igreja é David F. Wells. Em sua obra "No Place for Truth: Or Whatever Happened to Evangelical Theology?" (1993), Wells argumenta que a pós-modernidade, com sua ênfase no relativismo e na rejeição da verdade objetiva, tem um impacto significativo na unidade da igreja.

"A pós-modernidade, ao minar a própria noção de verdade objetiva e ao promover o relativismo, levou a uma fragmentação na igreja onde a coerência doutrinária é sacrificada no altar da preferência individual e das tendências culturais." — David F. Wells, "No Place for Truth: Or Whatever Happened to Evangelical Theology?" (p. 78).

 

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