Introdução - Do Princípio ao fim do Começo - A história de uma busca inacabada



O sol ainda não havia surgido na janela, quando fui despertado pela idéia do título desse trabalho, que há anos vinha produzindo exaustivamente: Um comentário sobre o livro de Gênesis.

Levantei imediatamente e corri para o computador. Calibrei a vista e busquei papel e caneta para anotar os pensamentos que pipocavam em minha mente, já que o lap top parecia não entender minha urgência. Ele sempre fazia isso quando eu estava com pressa. Penso que devia ser implicância comigo, já que maltratava o coitado madrugadas a fio.

Enquanto aguardava a boa vontade do meu computador, passei os olhos pelos livros espalhados sobre a mesa e me detive na minha primeira bíblia de estudos. Amarelada e com a capa gasta pelo manuseio, aquela bíblia me causou uma gostosa nostalgia, e fui transportado aos primeiros anos de minha vida cristã, onde costumávamos disputar nas turmas da Escola Bíblica Dominical, quem conseguiria ler primeiro toda a Bíblia. Coisas da adolescência. Quem é o primeiro, quem é o maior... Quem é o melhor.

O mais interessante nessa época, é que mesmo sem qualquer apuro teológico consistente, costumava fazer diversas anotações pelas páginas, onde criava intuitivamente o que somente alguns anos depois aprendi que são chamadas de referências cruzadas, sistematizando tais anotações que me foram sempre muito úteis na memorização dos textos que considerava mais relevantes. Novidade... Quem nunca fez isso, na Bíblia em um outro livro qualquer?

Não posso negar que muitas daquelas marcações já sumiram da memória faz tempo. Mesmo porque foram feitas mais para enfeitar as páginas da Bíblia, querendo simular empenho naquelas competições disfarçadas. Confesso, hoje, que os quarenta anos do povo de Israel pelo deserto, não levaram mais de vinte minutos para serem percorridos pelos olhos ávidos por verem o ponto final da saga. Os profetas menores... Bom, como eles eram menores também em páginas, eu até fiz algum esforço para ler direitinho. Mas não lembro se na época cheguei a guardar alguma lição, além das frases que titulavam as revistas da Classe de Adolescentes.

Porém com o passar dos anos e das páginas de Provérbios e Eclesiastes, foi pesando na consciência a verdade de que todo aquele jogo, não passava de “... vaidade e correr atrás do vento”. A sensação de que tudo aquilo era cortina de fumaça, e que na prática não estava surtindo qualquer efeito, causava grande angústia e frustração. Melhor recomeçar. Voltar ao ponto de partida; ao princípio. Assim, por incontáveis vezes recomecei; “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Eu comprava uma Bíblia nova e relia tudo outra vez refazendo minhas anotações. Não é difícil imaginar a quantidade de Bíblias que eu tenho em minha biblioteca!

Confesso que perseverança nunca foi um traço de destaque em minha personalidade. Embora tenha sido criado sob muita disciplina – em casa eu e meus irmãos tínhamos um “general” que atendia pelo carinhoso pseudônimo de mãe, não fui acostumado a sempre e a qualquer preço, completar as tarefas que iniciava. Pelo menos não com a mesma intensidade e paixão com que as iniciava. Não sei se perdia o interesse devido alguma dificuldade, ou mesmo se o próprio interesse não passava de fogo de palha... Seria isso tarefa para a minha terapeuta? Aliás, eu tenho terapeuta? Mas a verdade é que com o passar dos dias e o acumulo das tarefas cotidianas de quem vai assumindo diversas responsabilidades na vida, o projeto de ler a Bíblia de Gênesis a Apocalipse ia ficando incompleto. Durante anos, ora eu morria no deserto com os que deixaram o Egito, ora caia como Golias diante do pequeno Davi. Muitas vezes me perdia dentro do Templo construído por Salomão, ou por cansaço sequer chegava a atravessar o rio Jordão. Lembro-me de uma vez não ter conseguido sair com Daniel da cova dos leões.

O mais determinante nessa história, porém, é que sou incorrigivelmente teimoso e corajoso. Jamais tive como não tenho até hoje, medo de recomeçar, dar uma nova largada, voltar ao início da caminhada e andar tudo outra vez. Ainda que o impulso legítimo e natural seja seguir adiante. Não é esse o senso comum de sucesso?  Recomeçar, numa primeira análise, nos remete à idéia de fracasso porque nova tentativa. Nunca me importei com isso. Os tempos e os propósitos não precisam e não são iguais para todos. Não me aborrece chegar depois ou não chegar. Hoje entendo que o prazer está no caminho.

E foi com esse prazer de trilhar muitas vezes os mesmos chãos, que acumulei experiências e calos. Muitos calos! E o mais fascinante é que esses caminhos do texto bíblico possuem a capacidade de se renovarem a cada volta. Nunca uma viagem é igual às anteriores. Há sempre novidade. Uma árvore nova, um afluente diferente, marcas e pegadas que não estavam antes ali... Novos cheiros! E talvez por isso o prazer se multiplique tanto. Se renove sempre.

Acredito que isso foi o que aconteceu comigo em relação ao livro de Gênesis. Senti sempre um tempero diferente, um sabor novo e cada vez mais intenso e apurado. Fartei-me sempre, sem jamais me saciar. Utilizei diversas traduções, versões, e uma quantidade incontável de literaturas afins. E isso obviamente ajudou a multiplicar os olhos pelos quais se percebia uma ou outra nuance. A riqueza de possibilidades exercitava a alma e experimentava o poder das escolhas.

Mas olhando em retrospecto, não posso fugir de uma pergunta: Quem foi sempre que mudava e parecia novo? O texto bíblico ou eu? Ora, se nossas percepções são influenciadas direta e indiretamente por nossas experiências, se as viagens pelos mesmos caminhos se fazem novidade pela renovação das nossas mentes, por que um comentário sobre o texto bíblico precisa ser uma obra acabada e hermética. Creio que a dinâmica da vida cotidiana precisa interferir oportunamente em sua construção, de modo que o tempo não o torne ultrapassado e sem contato com a vida real.

Portanto é assim que começaremos nossa aventura pelo tempo. Nosso retorno, não ao passado, mas ao princípio mais que presente. Buscaremos o que não sabemos se vamos achar, sem saber exatamente pelo que procuramos. Passo a passo avançaremos pela bruma dos primórdios. Se for necessário retornaremos de qualquer ponto a outro que tenha ficado para trás. O mais importante será manter o sabor da viagem. Até porque, o prazer não está em chegar, mas em viajar. Na busca que jamais acaba.

Se você se interessa pelo tema, acompanhe os estudos. Afinal, nossa viagem pode se tornar mais interessante que seu destino...

Um forte abraço.

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