segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

=> De quem mais se confia mais se espera


Por Jânsen Leiros Jr.


"35 Estejam cingidos os vossos lombos e acesas as vossas candeias; 36 e sede semelhantes a homens que esperam o seu senhor, quando houver de voltar das bodas, para que, quando vier e bater, logo possam abrir-lhe. 37 Bem-aventurados aqueles servos, aos quais o senhor, quando vier, achar vigiando! Em verdade vos digo que se cingirá, e os fará reclinar-se à mesa e, chegando-se, os servirá. 38 Quer venha na segunda vigília, quer na terceira, bem-aventurados serão eles, se assim os achar.  

39 Sabei, porém, isto: se o dono da casa soubesse a que hora havia de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria minar a sua casa. 40 Estai vós também apercebidos; porque, numa hora em que não penseis, virá o Filho do homem.  

41 Então Pedro perguntou: Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos? 42 Respondeu o Senhor: Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, que o Senhor porá sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração? 43 Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. 44 Em verdade vos digo que o porá sobre todos os seus bens. 45 Mas, se aquele servo disser em teu coração: O meu senhor tarda em vir; e começar a espancar os criados e as criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se, 46 virá o senhor desse servo num dia em que não o espera, e numa hora de que não sabe, e cortá-lo-á pelo meio, e lhe dará a sua parte com os infiéis. 47 O servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites; 48 mas o que não a soube, e fez coisas que mereciam castigo, com poucos açoites será castigado. Daquele a quem muito é dado, muito se lhe requererá; e a quem muito é confiado, mais ainda se lhe pedirá."
Lucas 12:35-48 - JFA

"O Rei está voltando, o Rei está voltando. A trombeta está soando; o meu nome a chamar!... Aleluias Ele vem me buscar!". Essa é parte da letra de um dos hinos mais cantados nos cultos cristãos, nas mais diversas e variadas denominações em todo o Brasil, na década de 70 e 80. Naquela época, lembro-me bem, a agenda de proclamação da igreja tinha como máxima a volta iminente de Jesus. Maranata! Ora vem Senhor Jesus!

Nessa época, o texto acima e seus paralelos tanto em Mateus quanto em Marcos eram lidos muitas vezes, e sustentavam pregações que proclamavam, desde os púlpitos até praças e cultos nos lares, a volta iminente de Jesus. Jesus está voltando, Gritávamos aos quatro cantos. Vivíamos ainda os últimos ares da chamada Guerra Fria, e a possibilidade de uma guerra nuclear que acabasse com o planeta, dava o pano de fundo dessa pregação.

Com o fim da Cortina de Ferro, esse discurso foi considerado, na prática, impopular e pouco convidativo. Beirava ao desagradável, entenderam, pois vivíamos tempos de reconstrução e recuperação de diversas economias internas. E assim, quase que no mesmo tempo, perceberam que o discurso insuflado da teologia da prosperidade se fazia mais atraente, e conseguia arrebatar uma multidão infinitamente maior de fiéis ou interessados, às suas igrejas e ajuntamentos.

Hoje vemos muito pouco dessa mensagem nas literaturas ou agendas de púlpito. Jesus agora está ocupado em atender à multidão de pedidos que lhe devem chegar em profusão, interessados quase sempre em bem estar e satisfação pessoal, ou realização de sonhos e conveniências individuais. O Rei até pode voltar, mas primeiro Ele tem muita coisa que fazer para me agradar. Lógico que essa frase jamais é proferida por alguém; mas ela determina a atitude de um sem número de pessoas espalhadas por todo o mundo evangélico.

A verdade é que a lógica se inverteu, e em vez de sermos servos vigilantes, ávidos e aptos ao serviço do reino de Deus, colocamos Jesus a nosso serviço, providenciando tudo o que queremos e pretendemos ter. Aquele a quem deveríamos servir, foi colocado por nosso hedonismo desenfreado e já não tão camuflado, como nosso fiel e sobrenatural serviçal.

Bem-aventurados aqueles servos, aos quais o senhor, quando vier, achar vigiando! Vigiar é estar acordado, de prontidão para servir ao senhor que chegará a qualquer momento. É manter-se em serviço de prontidão, preparado e preparando-se para servir ainda mais, pois tudo e todos nos são confiados. Não podemos dormir o sono de quem se perde em sonhos e devaneios de uma vida fugaz e sem propósito. O sentido da vida não está em nos realizarmos, mas em realizarmos a vontade de nosso Pai celestial. Ou não somos peregrinos em terra estranha?

Daquele a quem muito é dado, muito se lhe requererá; e a quem muito é confiado, mais ainda se lhe pedirá. A pregação do evangelho nos foi confiada. A vontade de Deus de que sejamos suas testemunhas da graça e da salvação em Cristo, desde sempre nos é conhecida. Por isso a responsabilidade desse serviço nos foi requerida. Estamos vigiando prontos para o serviço, ou nos gastamos diariamente naquilo que  não pode servir a Deus?


Vivemos mergulhados numa preocupação medíocre com a própria vida. Pedimos bênçãos o tempo todo, mas pouco nos disponibilizamos a ser benção na vida de alguém. Vivemos evangelhos de resultados, onde a "fé" e a "dedicação" se medem por conquistas materiais. Eis que cedo venho. Quem tiver ouvidos para ver que fale.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Acúmulos e simpatias; garantias?


Por Jânsen Leiros Jr.


"13 Disse-lhe alguém dentre a multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparte comigo a herança. 14 Mas ele lhe respondeu: Homem, quem me constituiu a mim juiz ou repartidor entre vós? 15 E disse ao povo: Acautelai-vos e guardai-vos de toda espécie de cobiça; porque a vida do homem não consiste na abundância das coisas que possui. 16 Propôs-lhes então uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produzira com abundância; 17 e ele arrazoava consigo, dizendo: Que farei? Pois não tenho onde recolher os meus frutos. 18 Disse então: Farei isto: derribarei os meus celeiros e edificarei outros maiores, e ali recolherei todos os meus cereais e os meus bens; 19 e direi à minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te. 20 Mas Deus lhe disse: Insensato, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? 21 Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus."
Lucas 12:13-21 - JFA

Final do ano chegando! E como de costume nos deparamos com pessoas que se ocupam em planejar seus ritos de virada de ano, imaginando atrair coisas boas e positivas para suas vidas e para a vida de seus familiares. São pequenos gestos e manias, a princípio inofensivos, que na verdade traduzem nossa constante inclinação por garantias. Usar roupas de uma ou outra cor, mergulhar no mar, comer determinadas comidas, fazer gestos ou falar umas e outras palavras... Tudo com o tempero das simpatias de fim de ano.Um jogo de lógica retributiva, onde a força a que ou a quem se pretende agradar, recompensará com algo bom e relevante. Eu faço isso, logo garanto aquilo. "Não custa nada tentar. Vai que dá certo!" Ou, "pelo menos eu fiz a minha parte".

Nos versículos seis e sete desse mesmo capítulo, Jesus falou de não temermos circunstância desfavorável, porque Deus, que cuida de passarinhos tão baratos, muito mais cuidará de nós. Porém a soberba humana natural é buscar segurança no ter e no fazer. Ter recursos materiais e com eles a sensação de controle, ou fazer alguma coisa por si mesmo, que garanta ou se pretenda a garantir que o que se quer será. São nossas tão sonhadas garantias, que se sustentam prioritariamente naquilo que é tangível, naquilo que é palpável. Esperar importa em incerteza e isso é sinal de fraqueza. Afinal, quem sabe faz a hora não espera acontecer.

Foi requerendo esse tipo de garantia, que o filho desfavorecido de uma determinada partilha, pediu a interveniência de Jesus. O texto não registra as razões que o levaram a ter sido injustiçado, ou ter a sensação de não haver sido favorecido justamente na partilha. Mas de qualquer forma, ao sentir-se prejudicado, ele pediu que Jesus interviesse, trazendo para aquela circunstância, a justiça a que entendia ter direito. Jesus porém não só se eximiu de tal responsabilidade, como reforçou por parábola, a ideia de que recursos materiais em nada podem garantir a justiça, ou o cuidado de Deus. Ninguém pode produzir a própria justiça.

Na parábola, o homem rico e avarento, diante da prosperidade de seus campo, a despeito de já ter produzido o bastante para seu sustento e para o bom lucro de seu empreendimento, não pensou em estender ajuda a quem quer que fosse. Antes ele pensou apenas em si mesmo e na garantia de seu próprio futuro; na segurança dos dias vindouros. Ele decidiu ampliar sua capacidade de armazenamento, para que tais recursos lhe permitissem descansar de suas preocupações com o amanhã.

Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe, regala-te. Essa é toda a insensatez das garantias materiais e da segurança que advêm dos recursos estocados; nada pode garantir a vida, ou a possibilidade de aproveitar o que se acumulou. Insensato, esta noite te pedirão a tua alma. Em outra tradução diz Louco!... Ora, se o acumulo de bens e a segurança nas riquezas é vã mesmo para quem a tem de verdade, quanto mais fugaz é a sensação de se garantir em pequenas posses ou simpatias, para aqueles que pouco ou nada têm. Mas são muitos os que, mesmo vivendo remediadamente, acreditam que suas seguranças e garantias, podem estar condicionadas ao que lhes seja palpavelmente conquistado, ou presumivelmente encaminhado.

E o que tens preparado, para quem será? A avareza e a ansiedade de acumular o bastante para um futuro que não pode ser garantido pela posse de qualquer riqueza, fez com que aquele homem não se permitisse ser generoso, e ajudasse alguém com o que lhe sobejava. Sua insensatez culminou na distribuição, não só do que lhe sobraria, mas de tudo o que já havia guardado. Toda sua riqueza se perdeu, quando perdeu a própria vida.

Quando no deserto, o povo de Israel, liberto da escravidão do Egito, precisou aprender a depender do sustento de Deus dia a dia, alimentando-se do maná que descia do céu toda manhã. E não podia nem mesmo guarda-lo de um dia para o outro pois estragava. Era preciso confiar que no dia seguinte, nova porção do cuidado de Deus se encarregaria de suas necessidades. A única garantia que tinham, era o cuidado, a providência e a fidelidade de Deus.

Garantias materiais não combinam com fé. Ser generoso é abençoar o próximo com a prosperidade do que Deus nos concede. Quão melhor é dizer comam, bebam, aproveitem... comigo, tudo isso que Deus me proporcionou. Não são as cores certas, nem as palavras exatas, e muito menos a quantidade de mergulhos que moverão a mão de Deus. Mas sim o seu amor e o seu cuidado, no que devemos confiar e descansar.

Vivemos buscando recompensas e prosperidade que garantam nossa segurança e confiança no futuro, quando na verdade esse futuro precisa, por fé, ser garantido e sustentado por Deus. Que nossa fé se exercite na dependência de Deus, e que a eventual prosperidade ou a falta dela não nos torne insensatos e loucos, buscando em mandingas ou posses, as garantias de que haverão de nos dar aquilo que pedimos ou pensamos.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Contra pedaladas fiscais, pedaladas dominicais



Por Jânsen Leiros Jr.


Cerca de 1 milhão de pessoas confirmaram presença em uma manifestação contra a presidente Dilma Rousseff, no domingo (15). Organizada principalmente por três grupos, Vem Pra Rua, Movimento Brasil Livre e Revoltados ON LINE, a passeata está marcada para às 14h, em frente do Masp, na Avenida Paulista. Entre as reivindicações, está o pedido de impeachment da presidente.
O protesto remete, assim, ao movimento Caras-pintadas, de 1992, que foi às ruas de todo o país exigindo a saída do então presidente Fernando Collor de Melo, o primeiro e único a sofrer impeachment. “Existem algumas semelhanças entre os atos”, afirma Hilton Fernandes, cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Em sua maioria, apresentam-se como apartidários e estão incomodados com a situação do país.”
Há, entretanto, uma diferença bastante significativa. "Não há nenhuma investigação contra a presidente Dilma, diferentemente de Collor, cujo envolvimento com um esquema de corrupção estava comprovado”, explica Fernandes.
Fonte: http://vejasp.abril.com.br/materia/manifestacoes-impeachment-caras-pintada-dilma-collor/

Que estamos vivendo circunstâncias inusitadas em nosso país, me parece que é um sentimento comum à grande maioria da população. O que eu não tenho percebido nessa mesma maioria, contudo, é a disposição de discutir com coragem o que está efetivamente se passando diante de nossos olhos, muitas vezes distraídos com cortinas de fumaça, ora estendida pela mídia comprometida, ora pelos políticos, mestres na arte de dissimular o que realmente importa, trazendo a discussão para patamares menores e de nenhuma ou quase nenhuma importância.

Desde o anúncio de que o presidente da câmara, Deputado Federal Eduardo Cunha havia acatado o processo de impeachment contra a Presidente Dilma Rousseff, uma verdadeira batalha pelo apoio popular instaurou-se nos corredores da política, da mídia e nas próprias ruas, tentando, cada lado, gerar indignação e revolta contra as manobras e as argumentações defendidas pelo movimento opositor. Situação e oposição lutam pela alma insegura e atônita dos populares, que parecem não saber exatamente para que lado olhar ou a quem escutar. É, mas pelo visto, só parece.

De certa forma, o que se pode chamar de fracasso das manifestações marcadas para esse último domingo, treze de dezembro, traduz o sentimento da população brasileira com relação a esse processo. Em vez de manifestações de massa com adesão de diversos seguimentos da sociedade, o que se viu nesse domingo de sol forte e dia lindo na maioria do território nacional, foram famílias passeando e gente bonita aproveitando para pedalar em suas bicicletas pelas vias interditadas.

E por que isso? Porque não era dessa forma que a população queria que o processo fosse instaurado. Ou pelo menos não por essas razões e não com essas conduções. Sim, porque que outra explicação poderia traduzir a inapetência das ruas, logo quando acontece o que mais a população a uma só voz vinha manifestando desejo?

Dissimuladores de ambos os lados se apresaram a, com o cinismo que lhes é peculiar, distorcerem a realidade do recado da população. Não é verdade que a falta de adesão às manifestações demonstraram apoio da população à presidente Dilma e ao seu governo. Isso é querer fingir e dissimular que não há uma grossa e ameaçadora corda no pescoço. Mas por outro lado, também não é verdade que a população apenas está ensaiando para manifestações futuras de maior relevância, ou que o lindo dia de sol esvaziou as passeatas. Dissimulação de ambos os lados, com vistas a nublar os olhos atentos ou interessados do povo.

Sim, o governo Dilma tem astronômica rejeição por parte da população, e isso graças a incompetência demonstrada na condução da economia e de gestão da máquina pública, claramente exposta e flagrada aos borbotões. Nem vale a pena aqui repassar tais questões. E não foi por apoia-la ou não concordar com seu impeachment que a população não foi para a rua. O que a população não conseguiu vislumbrar, foi legitimidade nesse processo, e isso sim, lhes incomoda e não lhes estimula ao engajamento por uma causa que, ainda que lhe interesse, não traduz na forma, sua indignação.

O processo carece de fundamento moral. Pedaladas fiscais, no país do jeitinho, não soa como crime hediondo, mas como manobra de quem quer achar pelo em ovo para atingir  um objetivo que, pela manobra descarada, acaba por cheirar a interesse incerto e suspeito. E sabendo que por suspeito e inconsistente, tal processo correrá muito mais por conta e na onda dos ajustes e conchavos políticos, a população retira sua chancela, e se coloca como mera expectadora de um processo que, se não se caracterizar por uma grande manipulação jurídica para se efetivar um impeachment, será mais uma festa política a terminar em pizza.

Há legitimidade em um processo de impeachment? Sim. A constituição prevê tal instrumento para defender o país de aproveitadores e usurpadores da coisa pública. Utilizá-lo é golpe, como defende o discurso petista? De modo algum, pois o próprio PT aderiu e patrocinou o Fora Collor como guerreiro de primeira hora. O que não é legítimo, é utilizar tal processo para coagir o governo petista a defender o presidente da Câmara dos Deputados de um processo de cassação pelo Conselho de Ética da Câmara. Porque não se enganem. Nenhum processo seria instaurado caso esse senhor não estivesse em maus lençóis. Conveniência e casuísmo. A população está cansada de ser manipulada por isso.


Portanto, aos oportunistas de ambos os lados fica o recado. Não acreditem que o povo apoia o governo Dilma. Seu índice de rejeição e as conversas de corredor, por todos os corredores, demonstram que a população está cansada de sua incompetência e falta de gestão. Mas também não pensem que levantando bandeiras piratas, vão provocar adesão das massas como no Fora Collor. Ali tínhamos um presidente da república a expulsar. Mas o que temos hoje é um presidente da câmara tentando se safar. Não vai colar. 

domingo, 13 de dezembro de 2015

Convite que não cessa, mas caduca



Por Jânsen Leiros Jr.


"15 Ao ouvir isso um dos que estavam com ele à mesa, disse-lhe: Bem-aventurado aquele que comer pão no reino de Deus. 16 Jesus, porém, lhe disse: Certo homem dava uma grande ceia, e convidou a muitos. 17 E à hora da ceia mandou o seu servo dizer aos convidados: vinde, porque tudo já está preparado. 18 Mas todos à uma começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo, e preciso ir vê-lo; rogo-te que me dês por escusado. 19 Outro disse: Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los; rogo-te que me dês por escusado. 20 Ainda outro disse: Casei-me e portanto não posso ir. 21 Voltou o servo e contou tudo isto a seu senhor: Então o dono da casa, indignado, disse a seu servo: Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos. 22 Depois disse o servo: Senhor, feito está como o ordenaste, e ainda há lugar. 23 Respondeu o senhor ao servo: Sai pelos caminhos e valados, e obriga-os a entrar, para que a minha casa se encha. 24 Pois eu vos digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia."
Lucas 14:15-24 - JFA

Festa com comida e bebida, fartura e alegria, simbolizavam comumente o reino de Deus[1]. Estar nesse banquete, comer pão no reino, significava ter sido ressuscitado no dia do Senhor, o que fazia de qualquer indivíduo um bem-aventurado. E esse homem que declara tal bem-aventurança, exalta tal condição, mas a situa num tempo futuro, à parte da vida cotidiana que se desenrola num mundo real; na ressurreição dos justos (v.14).

Então terá muita sorte quem for convidado para o banquete do reino, poderíamos parafrasear a fala do convidado. E sua alusão poderia parecer óbvia no sentido de que qualquer um adoraria ser encontrado em tal condição; sentado à mesa do Senhor. Mas para Jesus isso não é tão claro. Muito pelo contrário. Para ele, muitos há que perderão esse momento por escolha própria. Muitos há que trocarão tal benção por um prato de lentilhas[2]. E é isso que a parábola a seguir irá demonstrar.

Vinde, porque tudo está preparado, avisa o anfitrião (v.17). Temos aqui um costume social judaico. Esse chamado ou aviso era o segundo convite que se seguia a um primeiro. Esse primeiro convite avisava os convidados sobre quando e onde se daria tal evento. Quando desse primeiro convite, tais convidados podiam naturalmente declinar ao chamado, pois diante de um possível conflito de compromissos, podiam desculpar-se quanto a impossibilidade de comparecerem. Assim eles não seriam contados entre os convidados, e por ocasião do segundo convite, já para entrarem para o banquete, eles nem mesmo seriam avisados. Um protocolo bastante razoável.

A parábola começa com o segundo convite, que já não se destina mais a ser ou não aceito, mas apenas a dizer aos convidados que já haviam aceitado ao chamado, entrem, tudo está pronto[3]. A esse segundo convite se segue o momento de grande tensão da parábola, pois os convidados que haviam dito que participariam do banquete, ocupam-se em dar desculpas para não irem à festa, desconsiderando o cuidado e o preparo realizado pelo anfitrião, e descumprindo o compromisso assumido anteriormente.

As desculpas dadas pelos convidados são vazias e sem qualquer adequação. Pois quem compraria um terreno sem antes tê-lo visto? Ou mesmo quem teria comprado juntas de bois, sem antes as ter experimentado? Também não havia qualquer impedimento ao que se declarou recém casado, que o impedisse de participar do banquete. São desculpas impróprias, como impróprias e vazias são as desculpas que muitos em nossos dias dão, diante do convite de Deus[4], e de sua mão estendida à humanidade[5].

É interessante notar que o anfitrião, diante do relato da negação ao seu chamado, não diz ao seu servo que retorne e os obrigue a entrar. O protocolo quebrado lhe permitiria inquirir e exigir retratação por parte dos que fizeram pouco caso de seu chamado. Porém ele não o faz, assim como Deus não obriga quem quer que seja a aceitar seu convite ao reino. Deus não se impõe ao homem, embora faça tudo que pode para convencê-lo do pecado, da justiça e do juízo[6], chamando-o ao arrependimento. Mas ele não obriga nada a ninguém; quem quer que seja.

Impróprias ou não, vazias ou não, tais recusas ao chamado do anfitrião, demonstram o quão inconveniente eles consideraram o momento do convite à entrada. Obviamente nenhum deles estavam sem fazer nada, ou desocupados de seus próprios interesses e prioridades. Mas fica claro que, diante da fragilidade de seus motivos reais, eles tentam reivindicar o direito da recusa, motivando tais recusas em circunstancias e condições que consideraram mais adequadas ou inquestionáveis. Talvez até louváveis e compreensíveis.

Notem que as desculpas declaradas querem na verdade dizer mas que hora infeliz para me chamar! Porque não negam participar do banquete, mas apenas querem evidenciar que o convite veio na hora errada, quando coisas mais importantes e inadiáveis estão ocupando a prioridade de suas vidas. É como se de maneira velada, mandassem ao anfitrião um recado. O convite é excelente, mas veio em péssima hora. Talvez em outro momento, quem sabe?!...

Diante da recusa dos convidados, talvez outro anfitrião qualquer remarcasse o banquete para um momento mais adequado e conveniente a todos. Porém o Senhor do banquete da parábola, não só mantém o banquete, como manda ao seu servo que busque aqueles que antes eram os naturalmente excluídos do banquete. Aqueles cujas condições sociais naturalmente excluía do convívio de todos. Aqueles com quem os antigos convidados jamais gostariam de dividir qualquer espaço, muito menos comerem e celebrarem juntos. E havendo ainda muitos lugares, ele ordena que outros tantos de fora, dos caminhos, não só excluídos mas abandonados, fossem também trazidos à festa; para que a minha casa se encha (v.23).

Obriga-os a entrar[7], orienta o anfitrião ao seu servo. Não há aqui qualquer alusão a qualquer espécie de uso da força, para obrigar quem quer que seja a aceitar o convite de Deus para o banquete em seu reino. Por outro lado, fica claro que o contexto indica uma atitude de uso extremo de argumentação e persuasão, para que minha casa se encha. Ao mandar buscar os de ainda mais longe, pessoas ainda mais improváveis de serem achadas em um banquete dessa espécie, o anfitrião aponta para o uso extremo da graça e do compadecimento por aqueles que estão pelos caminhos e valados (v.23); uma escória social e uns farrapos de autoestima e de amor próprio. Foram chamados aqueles que jamais se sentiriam dignos de participar de uma festa no reino de Deus.

É importantíssimo reforçar, também, que não está implícita no texto, qualquer fundamentação de uma opção pelos pobres realizada por Deus, o anfitrião desse banquete. O que ocorreu foi o sumo respeito pela rejeição dos convidados. Fora o anfitrião o rejeitado, não os convidados originais. Eles declinaram do que lhes seriam natural participarem, pois a tais foram apresentados os convites ao banquete. Eles escolheram não comer pão no reino dos céus.

Por fim, o anfitrião se demonstra inflexível em sua determinação. Nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia (v.24). Seria essa uma flagrante prova da falta de misericórdia de Deus? Ou seria uma evidência contundente de seu máximo respeito por nossas decisões, pela liberdade que temos de negar estar com ele? Pois ele poderia ter dito ao seu servo obriga-os a entrar. Mas conhecendo que o motivo de suas desculpas e recusas foi a inquebrantável intenção de não trocarem suas prioridades por um banquete que lhes pareceu menos atraente, ele foi atrás de quem valorizaria tal banquete, e que se fartaria na festa oferecida por ele. Deus não se impõe a ninguém[8].

Ora, quantas pessoas rejeitam o convite permanente de Deus? Quantos trocam a benção da salvação por um mísero e fugaz prazer de um prato qualquer de lentilhas? Você tem dado desculpas diante desse convite? Tem buscado desculpas vazias e inconsistentes para negar àquilo que há tempos fala ao seu coração? O tempo é hoje e a oportunidade é agora. Não deixe passar o convite que não cessa, mas que um dia caducará.



[1]  Lucas 13:29; Isaías 25:6; Mateus 8:11; 25:1-10; 26:29; Apocalipse 19:9
[2]  Gênesis 25:29-34
[3]  Ester 5:8; 6:14
[4]  Isaias 53:1; 65:2; Lucas 13:34
[6]  João 16:5-15
[7]  A história retrata o uso indevido e abusivo desse texto. O COMPELLE INTRARE usado pela igreja quando da morte de tantos que não aceitavam suas imposições.
[8]  Apocalipse 3:20

domingo, 29 de novembro de 2015

Mãos lavadas, corações não



Por Jânsen Leiros Jr.


37 Acabando Jesus de falar, um fariseu o convidou para almoçar com ele; e havendo Jesus entrado, reclinou-se à mesa. 38 O fariseu admirou-se, vendo que ele não se lavara antes de almoçar. 39 Ao que o Senhor lhe disse: Ora vós, os fariseus, limpais o exterior do corpo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina e maldade. 40 Loucos! quem fez o exterior, não fez também o interior? 41 Dai, porém, de esmola o que está dentro do copo e do prato, e eis que todas as coisas vos serão limpas.  

42 Mas ai de vós, fariseus! porque dais o dízimo da hortelã, e da arruda, e de toda hortaliça, e desprezais a justiça e o amor de Deus. Ora, estas coisas importava fazer, sem deixar aquelas. 43 Ai de vós, fariseus! porque gostais dos primeiros assentos nas sinagogas, e das saudações nas praças. 44 Ai de vós! porque sois como as sepulturas que não aparecem, sobre as quais andam os homens sem o saberem."
Lucas 11:37-44 - JFA

Jesus acabara de confrontar os líderes religiosos, chamando-os de geração perversa. Não foi por esse elogio que o convidaram para almoçar. Provavelmente o queriam observar mais de perto, em condições mais informais, mais íntimas, onde ele pudesse agir mais naturalmente. Como será que se comporta ou pensa esse Jesus, fazendo coisas corriqueiras do cotidiano, devia ser a pergunta recorrente na cabeça daqueles líderes.

Não havia, porém, apenas curiosidade em suas intenções, mas também maldade; Jesus não os havia chamado de perversos sem razão. E essa maldade logo se traiu, quando o Mestre tomou lugar à mesa sem antes lavar as mãos. Todos os olhares estavam voltados para Jesus e para tudo o que ele fizesse, assim como os ouvidos para que o que ele dissesse.

Há que se ressaltar aqui a coragem e a ousadia de Jesus. É claro que ele conhecia as verdadeiras intenções dos fariseus ao lhe convidarem para almoçar; sabia que era uma armadilha[1]. Ele, no entanto, não só aceitou o convite, como os confrontou logo após sua chegada, ferindo uma tradição cerimonial pretensamente piedosa, tornando-se motivo de espanto e alvo de crítica. Tradição, porém, não é lei, não havendo nesse fato pecado algum do qual pudessem acusá-lo.

A tradição de lavar as mãos antes das refeições representava uma purificação cerimonial, pois poderia ter havido qualquer contaminação durante o tempo passado na rua, não por uma bactéria qualquer (eles ainda não possuíam tal conhecimento científico), mas por tocar em algum gentio, ou em algum objeto por estes manipulado. As tradições cerimoniais judaicas eram repletas de minúcias superlativamente acrescidas por princípios humanos, que tornavam suas observâncias motivo de grande orgulho pessoal e soberba religiosa. Não passavam porém de máscaras piedosas, das quais se valiam os fariseus, para passarem aparência ilibada, proba e insuspeita. Em outra ocasião Jesus os chamaria de sepulcros caiados.

Regras. Esse era todo o entendimento conveniente que faziam da religião. Regras de conduta e procedimentos, que seguidas à risca, entorpecia de orgulho religioso seu rigoroso cumpridor, que poderia assim se considerar merecedor da boa condição social que ocupava, devido a ser considerado por todos um religioso proeminente. Tanto que no cumprimento dessas regras estabelecidas pela tradição, chegavam a exageros de dizimar hortaliças e coisas ínfimas, num pietismo frívolo apontado por Jesus como inútil, uma vez que os princípios centrais da piedade, eram a justiça e o amor de Deus, coisas das quais seus corações legalistas estavam longe demais de praticar.

Ai de vós, fariseus, que amam parecer o que não são. Que buscam os elogios e o reconhecimento humanos, ainda que firmando-se em comportamento fraudulento e insincero, em que a probidade e a pureza aparente, encobre mazelas e podridões ocultas em suas almas, plenas de malícias e engodos. Tais são como sepulturas não demarcadas, nas quais os desavisados se tornam impuros ao tocarem, ao conviverem, pois vivem de enganar o que realmente são.

Somos constantemente tentados a levarmos uma vida religiosa de fachada, em que o que parecemos ser é preferivelmente mais importante do que tudo o que realmente somos. Flertamos o tempo todo com uma dissimulada hipocrisia litúrgica latente, eivada de pietismo frívolo e desimportante; vaidade de vaidade... É preciso ter a coragem de sermos verdadeiros, caminhando para um alvo; corações puros, e não apenas mãos lavadas.



[1]  Provérbios 1:17
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