Provérbios - Lição XVIII



Provérbios 8:22-36 - JFA


"22 O Senhor me criou como a primeira das suas obras, o princípio dos seus feitos mais antigos. 23 Desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes de existir a terra. 24 Antes de haver abismos, fui gerada, e antes ainda de haver fontes cheias d`água. 25 Antes que os montes fossem firmados, antes dos outeiros eu nasci, 26 quando ele ainda não tinha feito a terra com seus campos, nem sequer o princípio do pó do mundo. 27 Quando ele preparava os céus, aí estava eu; quando traçava um círculo sobre a face do abismo, 28 quando estabelecia o firmamento em cima, quando se firmavam as fontes do abismo, 29 quando ele fixava ao mar o seu termo, para que as águas não traspassassem o seu mando, quando traçava os fundamentos da terra, 30 então eu estava ao seu lado como arquiteto; e era cada dia as suas delícias, alegrando-me perante ele em todo o tempo; 31 folgando no seu mundo habitável, e achando as minhas delícias com os filhos dos homens.
32 Agora, pois, filhos, ouvi-me; porque felizes são os que guardam os meus caminhos. 33 Ouvi a correção, e sede sábios; e não a rejeiteis. 34 Feliz é o homem que me dá ouvidos, velando cada dia às minhas entradas, esperando junto às ombreiras da minha porta. 35 Porque o que me achar achará a vida, e alcançará o favor do Senhor. 36 Mas o que pecar contra mim fará mal à sua própria alma; todos os que me odeiam amam a morte."

Minerva, deusa da sabedoria, doma o centauro - Boticelli, circa 1490
O sábio faz uma mudança drástica em seu discurso. A própria sabedoria assume a narrativa e passa ela mesma a apresentar suas credenciais, até então declaradas pelo sábio. É como se o sábio sentisse enfraquecer os seu argumentos quanto a superioridade da sabedoria, diante da atitude ensimesmada do tolo e do louco. Já que eu a anuncio e ninguém me ouve, já que falo como quem anuncia ao vento, então deixarei que a própria sabedoria lhes tente advertir diretamente. Sai de cena o sábio; entra a própria sabedoria, em pessoa.

A sabedoria começa revelando em uma só afirmação composta, que ela não é deus, porquanto foi criada, mas que é a primeira de todas as suas criações, o princípio dos seus feitos mais antigos. - Como assim? Perguntariam. - A sabedoria não é um atributo divino? Não é inerente a Deus? Então como foi criada? Entendo perfeitamente os questionamentos, e tentaremos chegar a algum lugar juntos. Mas precisaremos ir devagar aqui, pois o terreno é traiçoeiro e escorregadio.

Todo e qualquer atributo é por si só uma abstração. Não é uma característica palpável, tangível. Atributos, portanto, apenas são percebidos mediante suas manifestações. São revelados em pleno exercício de realização. Por exemplo, alguém pode ser intrinsecamente bom, ter inclinações naturalmente boas. Mas essa bondade intrínseca só poderá ser percebida quando esse mesmo alguém realizar algum ato, cuja observação leve à percepção da bondade em seu pleno exercício. Da mesma forma, ainda que toda inclinação intrínseca seja boa, ainda que em essência haja bondade em alguém, caso não ocorra qualquer oportunidade para realização da bondade, a bondade não se manifestará, e em não se manifestando, o observador não terá como afirmar se esse alguém é ou não bom. Sem exercício, sem realização. E sem realização, não há manifestação.

Deus é sábio. E tal atributo percebemos pela contemplação da natureza criada, sua complexidade, pertinências e finalidades. Mas isso entendemos e percebemos agora; tudo criado e ordenado. Porém em algum momento da eternidade passada, em algum instante anterior à criação de tudo mais, em um instante primordial, Deus agiu sabiamente no exercício de alguma escolha. Ainda que tal instante seja inimaginável, foi nesse instante que a sabedoria diz de si mesma, ser criada. Portanto não sendo ela mesma deus, pois foi criada, o foi antes de tudo o mais.

Da eternidade passada até o instante presente há um tempo bastante longo e interessante. Rico de fatos e de exercício dessa mesma sabedoria, que personificada na narrativa de provérbios, acumulou enorme experiência. Essa é a intenção da narrativa pela própria sabedoria; ela reivindica o direito de orientar, de definir conceitos mínimos sobre o comportamento humano, e instruir sobre tudo. A experiência é um fator preponderante a favor do direito da sabedoria, em ensinar a viver.

Reivindicado o direito à instrução mediante a experiência, a sabedoria devolverá no versículo 32 a narrativa ao pai. Igualmente a sabedoria, os pais são mais experientes que seus filhos, o que lhes franquia igual direito de instruir e ensinar. Suas experiências são capazes de orientar para o entendimento e o temor a Deus. A experiência confere conhecimento sobre a alma humana, e de suas multiformes possibilidades, bem como amplia o entendimento sobre a dinâmica da vida, que se sucede autonomamente em um mecanismo de causa e efeito, em que tais escolhas levarão a determinadas circunstâncias; a base do ensino proverbial.

É importante ressaltar que, como se apresenta no trecho final do nosso texto em estudo, a sabedoria não se impõe e nem mesmo pode ser assimilada intuitivamente. É preciso haver atitude em querer a sabedoria. Existe um passo que deve ser dado em sua direção. Dar-lhe ouvidos é escolher seguir sua recomendação, em lugar de agir pelos próprios instintos. E se a sabedoria tem o temor a Deus como seu princípio incondicional, não há como agir sabiamente, se não houver antes um temor ao Senhor.


"20 Donde, pois, vem a sabedoria? Onde está o lugar do entendimento? 21 Está encoberta aos olhos de todo vivente, e oculta às aves do céu. 22 O Abadom e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos um rumor dela. 23 Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar. 24 Porque ele perscruta até as extremidades da terra, sim, ele vê tudo o que há debaixo do céu. 25 Quando regulou o peso do vento, e fixou a medida das águas; 26 quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões; 27 então viu a sabedoria e a manifestou; estabeleceu-a, e também a esquadrinhou. 28 E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se do mal é o entendimento."
Jó 28:20-28 - JFA

No texto acima, Jó ressalta que a sabedoria não está disponível fora da relação com Deus. Esse texto é um negativo do texto de Provérbios. Se a sabedoria diz que estava com Deus realizando a criação, Jó afirma que a sabedoria não está na criação. Embora a criação a manifeste, ela não se encontra nela como bem a ser adquirido, ou entendimento a ser absorvido. Na criação Deus a manifestou (v. 27).

É claro que haverá quem torça o nariz e rebata, dizendo que é ingenuidade achar que quem não teme a Deus não pode ter conhecimento e inteligência para conhecer e desvendar a toda a ciência do mundo. E é verdade. Obviamente o conhecimento científico está a mercê de todo ser humano, e ao alcance de qualquer empenho dedicado a desvendar ao máximo seus mistérios. Acontece que tanto Salomão em Provérbios, bem como Jó no livro que leva seu nome, não se referem ao conhecimento científico. Aliás, tanto um quanto o outro parece relegar tal conhecimento, considerando-o, não obstante sua importância funcional, como secundário para uma preocupação última do ser humano.


Ao afirma no versículo 28 que o próprio Deus diz ao homem que o temos do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se do mal é o entendimento, Jó deixa implícito que todo o conhecimento acumulado, toda a informação catalogada, bem como todos os livros que puderem conter o registro do crescente conhecimento humano, jamais poderão fornecer à humanidade aquilo que em essência precisa ter para viver; porque no fim, sabedoria é temer a Deus e o conhecimento mais precioso é apartar-se do mal

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