Cadeira para sentar e pensar




“ Não estudamos para crer. Estudamos porque cremos."
Anselmo de Cantuária; 1033 - 1109
        

“é preciso "salvar a alma e a mente". A conversão não dissocia os aspectos espiritual e mental. Se por um lado, "O mundo precisa de filosofia", como afirmou o filósofo Eduardo Prado de Mendonça, por outro, como disse o teólogo Joaquim Cardoso de Oliveira, "O mundo necessita urgentemente de teologia"... Precisamos integrar filosofia e teologia.”
Filosofia e Cosmovisão Cristã - Moreland & Graig - Edições Vida Nova;
Prefácio à edição brasileira

Não faz muito tempo... Pensando bem, faz sim. Mas não importa. A verdade é que ainda vive forte em minhas lembranças, a quantidade de vezes que fui parar na cadeira do pensamento. E eu tinha duas. Uma em casa e outra na escola.

A cadeira de casa, pra ser bem sincero, freqüentei pouquíssimo. Em compensação, a da escola foi uma grande companheira nos primeiros anos de minha vida escolar. Lugar quase cativo, para quem, embora não cometesse qualquer indisciplina grave, não parava de falar durante a aula, atrapalhando tanto a professora que tentava explicar a matéria, quanto os demais colegas que tentavam copiar o que era colocado no quadro. Essas aventuras duraram até o final da quarta série primária, atual Ensino Fundamental I, quando nos despedimos quase todos da querida tia Terezinha. Nunca mais a vi... Saudades.

Mesmo que nunca mais a tenha freqüentado, e ainda que a maturidade me tenha silenciado um pouco - só um pouco, a verdade é que a cadeira do pensamento, antes um castigo para minha tagarelice, tornou-se uma agradável pausa para organizar as idéias, que ao longo do dia vão se acumulando e se acomodando como podem, até que sejam guardadas todas em gavetas imaginárias do cérebro. Seria tão bom se fosse simples assim... É claro que como qualquer um, tenho idéias espalhadas pelos diversos corredores da mente, algumas certamente esquecidas e abandonadas em um canto obscuro qualquer.

Assim, a cadeira do pensamento tornou-se, para mim, um hábito de rever atitudes, reformular expressões, pesar atitudes, avaliar crenças, analisar sonhos e medir pretensões. Com o tempo, houvesse ou não lugar onde sentar, o processo de voltar a fita incorporou-se como hábito quase instintivo, uma tarefa internalizada; pensar naquilo que penso.

Aceito se alguém disser que pensar no que se pensa, é o mesmo que voltar a mastigar o que já se engoliu. - Que nojo! Até dirão alguns. Mas não importa, porque é exatamente esse o princípio. Se não me engano, vacas, girafas e outros animais realizam esse movimento em seus processos digestivos. Chama-se ruminação. Obviamente muitos já devem ter ouvido ou lido a respeito. Não teceremos detalhes aqui.

Mas me perdoem os nauseados de plantão, que ainda devem ter diante dos olhos a imagem de um ruminante mastigando. Pensar no que se pensa nada mais é do que ruminar conceitos, mastigar outra vez pensamentos não digeridos totalmente. É trazer à elucubração toda e qualquer idéia que, para ser plenamente entendida, necessite de melhor e mais profunda investigação. É retornar à mente afirmações que ainda não fizeram sentido, ou questionamentos ainda não respondidos satisfatoriamente.

Se quisermos brincar com fogo e ainda mexermos em casa de marimbondos, podemos aprofundar a questão, dizendo, a grosso modo, que pensar no que pensamos é o ato primordial do exercício filosófico. Ou seja, o filósofo é aquele que se dispõe a pensar naquilo que pensa ou que pensam, buscando entender porque se pensa isso em vez daquilo outro, ou porque se pensa em lugar de não se pensar em nada. O filósofo se dedica a investigar e tentar explicar as grandes questões da humanidade, pensando profundamente em tudo que popularmente se pensa corriqueiramente.

Ora, aqueles que foram criados por adultos acostumados aos ensinos proverbiais, devem lembrar que seus pais ou avós diziam: - Cabeça vazia, oficina do diabo. Lembram? Por isso vamos descartar, na partida, a hipótese de não pensarmos em nada, em lugar de pensarmos em alguma coisa. Até porque não me dediquei a escrever até aqui, para simplesmente desligar o cérebro e ir dormir. Resta-nos então o exercício de pensarmos no porque pensamos nisso em lugar daquilo outro, elucubrando sobre tudo que sustenta nossas escolhas e apontam nossas direções.

O exercício filosófico, portanto, a despeito do que muito se dissemina em diferentes e variados círculos cristãos, sejam eles igrejas, denominações ou seminários, representa a possibilidade de orientar a racionalidade daquilo em que se acredita, não apagando a fé, mas apontando para seus motivos. Tal exercício ampliará oportunamente a compreensão da revelação de Deus, e de sua relação com a humanidade, em contextos e cenários suplementares, que reforçarão o entendimento de suas manifestações e de sua condução da história.

A filosofia, portanto, como instrumento que pode nos auxiliar a pensar em tudo aquilo que cremos, pode e será extremamente útil na construção de uma vida devocional mais consistente, alargando, inclusive, o grau de percepção da vontade de Deus e de sua providência ao longo da existência humana. A filosofia, tanto como exercício investigativo, quanto no âmbito exaustivo de suas disciplinas, é de fundamental importância à saúde e vitalidade de uma vida cristã bem desenvolvida, e religiosamente consistente.


“... a nossa adoração a Deus é mais profunda precisamente em razão de, e não apesar de, nossos estudos filosóficos... A fé cristã não é uma fé apática, cerebralmente morta, mas uma fé viva e inquiridora. Como Anselmo propôs, nossa é a fé que busca compreensão."
Filosofia e Cosmovisão Cristã - Moreland & Graig - Edições Vida Nova

É necessário, portanto, abandonar o hábito recorrente de se demonizar o pensamento filosófico. Precisamos deixar de considerar o raciocínio um perigo, ou um inimigo mortal para a fé. Muito pelo contrário. A fé se robustece à medida da descoberta continuada do amor de Deus e de sua multiforme graça, desvelada por sua providência que age insofismavelmente por todo o mundo habitável.

Precisamos, assim, de uma visão holística de mundo. Uma conexão com a vida real que se vive em uma dimensão real, onde habitam aqueles que dependem de nossa capacidade de influenciar positivamente a sociedade. Não com acusações, mas com exemplos contundentes. Não com críticas, mas com vidas consistentes. Não com chavões, mas com argumentos que lhes possam levar a compreensão do amor de Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor. Afinal, pensar jamais nos impedirá de orar.


No próximo encontro, falaremos dos desafios da igreja na atualidade. Um forte abraço a todos e até lá.

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