sábado, 27 de dezembro de 2014

=> O rico trabalho que empobrece




“Também descobri por que as pessoas se esforçam tanto para ter sucesso no seu trabalho: é porque elas querem ser mais do que os outros. Mas tudo é ilusão. É tudo como correr atrás do vento.”

                      Provérbios 14:23 - RA

Há muita confusão nessa retórica de trabalho e trabalhador. E se já falamos aqui sobre preguiça e diligência, podemos nos concentrar hoje em quem vive para o trabalho, gastando nele as melhores horas, dos melhores dias, da mais produtiva fase da vida. Pois se é verdade que “o trabalho dignifica o homem”, também é verdade que viver em função dele pode dar muito, mas muito trabalho mesmo.

Obviamente não estamos falando do trabalho em si, nem estamos apresentando uma bela desculpa para quem adora encostar-se num barranco. Antes o foco aponta para a motivação de tanto trabalho, e suas conseqüências na vida pessoal de quem troca a vida em família e as outras relações sociais, por horas intermináveis de pretensa dedicação laboral.

Dizemos “pretensa”, porque obviamente o trabalho como cumprimento diligente e responsável de tarefas, não leva ninguém ao ostracismo nem ao afastamento daqueles para quem sua presença é importante. Na verdade, o excesso de trabalho, a troca da vida por horas intermináveis de ocupação, antes de ser causa, na maioria das vezes é sintoma de desequilíbrios outros, nos mais variados segmentos da vida humana, indo desde a necessidade de ocupar-se para fugir de pendências que podem consumir a mente, até a simples falta de vontade de voltar para casa, passando pela necessidade desenfreada de ter sempre mais do que já se tem, e chegar até mais longe do que já se chegou. E é nesse aspecto que iremos nos ater. Na ganância e seus muitos disfarces.

O rei Salomão teve seguramente uma das maiores riquezas da história universal. Sábio e intelectual amealhou ao longo de sua vida uma riqueza tão grande, que por toda Terra era comentada sua riqueza. Reis e rainhas de outras nações atravessavam distâncias enormes apenas para ouvirem sua sabedoria, e com isso lhe presenteavam com grande parte de seus próprios tesouros. Além das alianças e casamentos que lhe fizeram ainda mais rico. Ainda assim, e a despeito de tão grande riqueza, e provavelmente após todo o empenho em entesourar-se, Salomão descreve grande pesar pela dedicação excessiva a essa tarefa.

Claro que quem vive tal desequilíbrio não se posiciona tão francamente nem para si mesmo. A armadilha que leva a essa conduta é sutil. Por isso chamamos de disfarces, porque na verdade criamos uma capa de sobriedade e responsabilidade difícil de ser contra-argumentada, que encobre a verdadeira face da ganância que habita no íntimo. Queremos sempre mais e muito mais... E por quê?

Segundo o próprio Salomão, porque queremos ser mais que os outros. Mas ainda poderíamos acrescentar que também vai aí uma pontinha de necessidade de segurança. Sim, aquela segurança que o poder de compra, que a capacidade de pagamento concede a todos que a têm. Aquela falsa segurança que o dinheiro compra, a qual Jesus chamou de loucura.


15 Então, lhes recomendou: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui. 16 E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu com abundância. 17 E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? 18 E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. 19 Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. 20 Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? 21 Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.”

                      Lucas 12:15-21 - RA

A verdade é que, seja pela vontade de ser mais que os outros, seja pela falsa sensação de segurança que o dinheiro e os bens podem nos dar, o trabalho em excesso empobrece as relações pessoais, à medida que seqüestra-nos do convívio das pessoas a quem queremos bem, que nos demandam tempo, e o mais irônico, exatamente daquelas por quem, em tese, tanto nos esforçamos. Olha aí mais uma armadilha e sutileza da ganância.

É nesse cenário de presumível dedicação e sucesso na vida, que fracassam as relações amorosas, crianças são criadas sem limites, adolescentes se afastam de seus pais, jovens vivem inseguranças inconfessáveis e idosos são abandonados, se não em asilos, em lares onde suas presenças e necessidades são mais um estorvo, do que a feliz companhia de quem pode transmitir muito mais sabedoria que informação. Estamos sempre tão ocupados e preocupados, que não enxergamos quem desfila diante de nossos olhos, pedindo e esperando por atenção. Lutamos para enriquecermos os bolsos e as contas bancárias, mas empobrecemos as relações pessoais e a alma.

Não devemos jamais agir com displicência em nosso trabalho. Muito pelo contrário. Sejamos sempre diligentes e dedicados em tudo que fazemos ou a que nos propusermos realizar. Mas é necessário sabedoria para dosar a mão, para que aquilo que em tese buscamos para sustentar-nos a felicidade e dias mais felizes, não se transforme em correr atrás do vento. Afinal, como bem nos alerta a sabedoria popular, a sutil diferença entre remédio e veneno é a dose.

Que Deus nos faça sábios sempre, para utilizarmos com cada tesouro a medida certa.







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