“3 Bem-aventurados os humildes de
espírito, porque deles é o reino dos céus. 4 Bem-aventurados os que choram,
porque eles serão consolados. 5 Bem-aventurados os mansos,
porque eles herdarão a terra. 6 Bem-aventurados os que têm fome
e sede de justiça, porque eles serão fartos. 7 Bem-aventurados os misericordiosos,
porque eles alcançarão misericórdia. 8 Bem-aventurados os limpos de
coração, porque eles verão a Deus. 9 Bem-aventurados os
pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus. 10
Bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles
é o reino dos céus. 11 Bem-aventurados sois, quando vos
injuriarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós, por
minha causa. 12 Alegrai-vos e exultai, porque é
grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que
existiram antes de vós. "
Mateus
5:3-12 - TB
A literatura sapiencial se utiliza
costumeiramente da expressão bem-aventurado,
significando positivamente o estado em que tal pessoa se encontrará logo em seguida,
em decorrência daquilo que vivencia no instante presente, ou daquilo que pratica
costumeiramente no exercício de sua vida cotidiana.
“1 Bem-aventurado o varão que não
anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem
se assenta na roda dos escarnecedores. 2 Antes, tem o seu prazer na lei
do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. 3
Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu
fruto na estação própria, e cujas folhas não caem, e tudo quanto fizer
prosperará.
4
Não são assim os ímpios; mas são como a moinha que o vento espalha. 5
Pelo que os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na congregação
dos justos. 6 Porque o Senhor conhece o caminho
dos justos; mas o caminho dos ímpios perecerá."
Salmos
1:1-6 - RC
Há diversos outros exemplos, cuja
lista colocaremos ao final desse artigo, em seu rodapé. Mas esse texto de
Salmos permite conciliar todos os apontamentos e paralelos da expressão, sem
que seja necessário utilizarmos outros textos em apoio.
Bem-Aventurados
ou felizes, é a tradução mais
adequada, no português, para a palavra grega Makarios,
utilizada no início de cada uma das sentenças proferidas por Jesus. Makarios,
porém, traz implícitos alguns sentidos etimológicos que nosso idioma e cultura
não comportam, mas cujas idéias permitem que nossa aventura pelas
bem-aventuranças seja mais empolgante e plena de possibilidades.
Não podemos esquecer que a o grego é o
idioma de uma nação extremamente religiosa e mitológica, o que lhe atribui,
como expressão do pensamento humano, a peculiar preocupação em dar sentido além
do material, a cada expressão alusiva a um contexto religioso e espiritual.
Assim, Makarios
pode ser entendido como felizes, mas porque livre do peso do
cotidiano; livres da vaidade das coisas; livres do domínio das
circunstâncias da vida. Uma felicidade, portanto, que não retrocede,
considerando que quem está livre do peso do cotidiano, bem como livre do domínio
das circunstâncias da vida, só pode, por definição, estar morto. Ou somente lhe será possível vivenciar sua
bem-aventurança quando a morte lhe for concedida.
Tomando-se por correta a exposição
acima, bem-aventurado é uma expressão
que pode referir-se tanto a uma condição futura que será atingida em seqüência à
presente existência, ou a um estado de morte já experimentada em vida, pois no
contexto do evangelho, morremos com Cristo. Não estamos mais sujeitos ao domínio
das circunstâncias da vida ou das solicitudes de nossa existência cotidiana. Estamos
livres das vaidades das coisas, pois conhecendo a Verdade, esta nos libertará.
Ora, é por isso mesmo que o salmista
chama de bem-aventurado aquele que não
se deixa levar pelos seus circunstantes, mas em vez disso se envolve e se
dedica ao conhecimento de Deus e de sua justiça. As coisas envolvidas nessa
vida já não têm para ele um apelo de urgência e primazia. São como a palha que
o vento carrega, coisa leve e sem importância, rejeitada quando nos ocupamos em
reter apenas o essencial.
É importante notar, no entanto, que
tanto o salmista quanto Jesus chama de bem-aventurado,
adjetivando o indivíduo que vivencia determinada realidade, e não pelo que ele
pratica ou pela forma com que vive. Bem-Aventurado
é pelo que lhe será dado, ou permitido por conseqüência. Ou seja, ninguém é bem-aventurado por ser humilde de espírito,
mas sim porque deles é o reino dos céus. Bem como o bem-aventurado do
salmista não o é porque medita na lei do Senhor, mas antes porque será como árvore
plantada junto ao rio que dará muitos frutos. A bem-aventurança, portanto, adjetiva
a condição final e não o estado intermediário que leva àquela, pois este nem sempre
é confortável ou interessante como modelo de vida. Ou alguém considera
prazeroso, apenas por exemplo, ser perseguido, injustiçado ou caluniado?
De certa forma, as bem-aventuranças
como proferidas por Jesus, e aí diferentemente do salmista, elenca não uma lista
de atitudes que seus discípulos devem exercitar para um determinado objetivo,
mas sim características percebidas naqueles que já não estão sob o domínio do
peso do cotidiano, mas que estarão mortos com ele; os humildes de espírito, os chorosos,
os mansos, os famintos e sedentos por justiça, os misericordiosos, os puros de
coração, os pacificadores, os perseguidos, os caluniados e também os injustiçados.
É importante ressaltar, como já
dissemos anteriormente, que o Sermão da Montanha é o primeiro discurso de
desconstrução do conceito de vida elaborado pelos judeus, que tinham na
prosperidade social e financeira sua meta principal, não muito distantes do
orgulho cultural, religioso e nacional. Tudo o que fosse socialmente entendido
como desfavorável, jamais poderia ser aceito como benéfico ou procedente, capaz
de traduzir no tempo uma vantagem ou recompensa positiva vindoura. E é exatamente
por isso que Jesus inicia o discurso com as bem-aventuranças. No seu Reino,
tudo seria diferente e porque não dizer, o contrário.
As bem-aventuranças, portanto, apontam
para o restante do sermão. Elas o introduzem, criando a sustentação para o
conceito de aprofundamento da justiça, que deve exceder à formalidade legalista
e aparente dos escribas e fariseus. Só sendo manso é possível entregar a capa
ao que a toma de você, e ainda lhe oferecer também a túnica. Bem como oferecer uma
face quando a outra já está vermelha e ardendo de uma agressão anterior, só é
possível a quem é misericordioso e humilde de espírito. Só sendo um pacificador,
é possível calar diante de calúnias e injustiças, que por si só já legitimariam
qualquer reação loquaz ou agressiva.
Bem-Aventurados
somos, portanto, por vivermos essa aventura. A melhor de todas as aventuras. A
de termos corações transformados. De vivermos mortos, porém cheios de vida
abundante. De termos por promessa uma existência repleta de tudo aquilo que
hoje nos é carência e escassez. Usando o que não nos pertence e andando por terras
estrangeiras. Vivendo em marcha, aqui e agora, na esperança do ali e depois. Convictos
do que não vemos, esperando contra a esperança. Nosso é o Reino dos Céus.
Em Deus somos sempre bem-aventurados.
Um
forte abraço.
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