Que
importância pode haver em se saber se foi mesmo Deus que criou o universo, ou
se esse mesmo universo não passa de obra do acaso, de uma geração espontânea de
matéria, ou de processo evolutivo autônomo? Talvez para o pragmatismo do mundo
moderno, saber “o que”, “quando”, “como”, “quem” e “por que” o universo surgiu,
não tenha mesmo a menor relevância, uma vez que se trata de um assunto que na
concepção científica, pode ter ocorrido há milhões ou até mesmo bilhões de
anos. Um acontecimento tão cronologicamente remoto não pode, numa primeira
análise, ter importância alguma para os dias de hoje.
A
sociedade moderna anda em busca do novo, do surpreendente, ou do que é ousado. E
a menos que o assunto criação venha
ao noticiário temperado com revelações surpreendentes, não haverá por ele
qualquer interesse. E o que há de novo, diferente ou ousado na clássica
discussão sobre a criação do universo? Mesmo nós cristãos, quando falamos da
criação, somos infantis, tratando o tema como verdade absoluta e inquestionável
(quase intocável), simplesmente porque está
na Bíblia, sem qualquer outra forma de argumentação ou crença sustentável.
Não que o fato de estar na Bíblia não seja relevante. Muito pelo contrário. Mas
creio que a narrativa bíblica da criação seja ainda mais rica do que
normalmente utilizamos na defesa de nossa crença. É como se alguém fosse ao
teatro e após ter lido a sinopse, se retirasse sem ver a peça, sem ver o que
havia por detrás das cortinas.
Mas
se por um lado a sociedade moderna passa de largo pela questão da criação, de
outro, perguntas como “quem somos”, “de onde viemos”, e “para onde vamos”,
continuam a freqüentar a mente humana, incomodando-a, e a deixando
continuamente instável, pois se é verdade que não se deve viver o presente
lamentando a culpa pelo passado, ou ansiando pelo futuro, também é verdade que
a vida no presente perde a referência, se eu desconheço o meu passado, ou sofro
a insegurança de desconhecer meu futuro.
O que acontece na verdade, é que a sociedade moderna vive uma grave
crise de convicção. Por seu caráter dinâmico, instável e evolutivo, quase que
diariamente, pressupostos científicos considerados inquestionáveis são
derrubados por novos pressupostos, baseados em novas descobertas promovidas
pelo avanço tecnológico. Métodos produtivos e comerciais consagrados tornam-se
obsoletos numa velocidade tão grande, que muitas das vezes nem mesmo chegam a
ser compreendidos em todas as suas possibilidades, e já são postos de lado pela
geração seguinte de profissionais. O prazo de validade dos conceitos e
ideologias está tão curto, que muitas das vezes não conseguem sequer chegar às
prateleiras, para consumo daqueles que anseiam por acreditar em alguma coisa
que lhes faça algum sentido. Na sociedade moderna, aquilo que é verdade hoje, pode amanhecer amanhã como
uma desprezível visão míope daqueles que a defendiam.
Nessa realidade conjuntural, ninguém quer se comprometer com idéia
alguma, ou defender conceito algum que possa lhe caracterizar como alguém
ultrapassado. E o que pode ser mais ultrapassado na sociedade moderna do que a
fé num Deus Criador? Não que a crença na existência de Deus ou numa força superior seja considerada
antiquada. Não. Na verdade, está cada vez mais em moda especular sobre Deus, confessar-se uma pessoa de fé, declarar-se interessado nas questões
espirituais, metafísicas ou extra-sensoriais. Nunca a mídia abriu tanto espaço
para a religiosidade. Em nenhum outro momento da sociedade moderna se falou
tanto em sobrenatural como agora. Religiões orientais avançam poderosamente,
conquistando devotos das mais variadas posições sociais e condições econômicas.
O cristianismo reascendeu com o movimento carismático e a popularidade do
neo-pentecostalismo. Além disso, os espiritualistas
se propagam rapidamente entre os tendenciosamente gnósticos. Isso sem falarmos
dos chamados esotéricos de última hora,
que na falta de compromisso com uma só filosofia, crêem em quase tudo ao mesmo
tempo, misturando doutrinas e superstições.
Ora, se o “sagrado”, o “espiritual” e o “metafísico” estão na moda,
por que um Deus Criador é uma
idéia considerada antiquada? Simplesmente porque a criação Divina foi, ao longo
do tempo, banalizada pelo uso de interpretações que, em vez de tentar levar às
pessoas a compreensão do “porque” e do “para quê” o universo foi criado, tentavam
explicar aquilo para o qual a própria Bíblia não se apresenta como fonte: o
“quando” e o “como” se deu a criação. Diante de uma postulação muitas das vezes
impúbere e desprezível à luz da sociedade moderna, a humanidade correu para
tentar explicar o universo através daquilo que pudesse parecer mais aceitável.
Nessa busca pelo racionalmente provável e crível, descartou-se por completo a
idéia de que Deus criou o universo, e se avançou a favor das teorias
evolucionistas, e filosofias cosmosóficas, onde até se pode admitir a
existência de Deus, mas não sua participação direta na criação. A partir daí,
passamos a conhecer algumas teorias absurdamente contraditórias. Ainda que o
método científico prime por postular sobre aquilo que possa ser comprovado,
trabalham com hipóteses tão remotas e conjecturas tão criativas, que às vezes é
preciso mais fé para crer naquilo que defendem, do que na Criação Divina.
Cuidado que ninguém
vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos
homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo.
Colossenses 2:8; RA
Diga a essa gente que
deixe de lado as lendas e as longas listas de nomes de antepassados, pois essas
coisas só produzem discussões. Elas não têm nada a ver com o plano de Deus, que
é conhecido somente por meio da fé. Essa ordem está sendo dada a fim de que
amemos uns aos outros com um amor que vem de um coração puro, de uma consciência
limpa e de uma fé verdadeira. Alguns abandonaram essas coisas e se perderam em
discussões inúteis. Eles querem ser mestres da Lei de Deus, mas não entendem
nem o que eles mesmos dizem, nem aquilo que falam com tanta certeza.
1 Timóteo 1:4-7; NTLH
Fiel é esta palavra,
e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação, confiadamente, para
que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras. Estas coisas
são excelentes e proveitosas aos homens. Evita discussões insensatas, genealogias,
contendas e debates sobre a lei; porque não têm utilidade e são fúteis.
Tito 3:8-9; RA
Há
que se destacar ainda, que a teologia praticada com displicência também tem sua
parcela de culpa, contribuindo, ainda que indiretamente, no afastamento do
Homem da noção do Deus Criador.
Não por defender o princípio incondicional de que Deus criou o universo, o que
continuam defendendo heroicamente, mas pela aventura a que alguns teólogos se
lançaram, ao debaterem nuances secundárias, que desviam o pensamento piedoso
daquilo que na verdade importa na questão da origem do universo e da vida no planeta.
Ora, que importância teológica há, em se saber se o período da criação
corresponde a uma semana do nosso calendário, ou se o autor de Gênesis está
fazendo alusão a um período de centenas, milhares ou milhões de anos? Que
diferença faz crer na Teoria do Intervalo,
ou acreditar que a criação foi um ato progressivo e cronológico? É sobre temas
como esses que Paulo fala nos textos acima. Para ele, questões como estas são
vãs e sem proveito para o espírito do homem. Não me surpreende, portanto, que a
sociedade atual tenha se distanciado do Deus
Criador. Fracassamos em apresentá-Lo ao homem moderno, quando não destacamos
aquilo que realmente pode lhe servir de conforto, na sua busca frenética pela
verdade que o liberte de seus questionamentos e dúvidas inconfessáveis.
Há
um fator muito importante que nos deve orientar na apresentação do Deus Criador. Não é o pretenso
conhecimento da verdade dos fatos que
nos aproxima d’Ele, mas sim, o que Ele nos revela de seu Ser na narrativa da
criação. Isso sim pode influenciar diretamente o relacionamento da criatura com
seu Criador. Não é o saber teológico ou uma presunçosa erudição que opera o
fortalecimento espiritual, mas o que o próprio Deus revela de Si mesmo através
das Escrituras, e da interação que cada indivíduo estabelece com Ele. Assim,
reconhecer que no princípio criou Deus os céus e a terra, é mais do que
tomar conhecimento da autoria de uma obra. Através dela e de tudo que a
envolveu e a circunstanciou, podemos conhecer a Pessoa que a realizou. Isso
mesmo; a Pessoa do Criador é o objetivo final da narrativa da criação.
Aí está a grande diferença entre o movimento espiritualizante presente na sociedade, e a narrativa sempre atual
da Criação. No primeiro, temos a crença num deus
energia, cósmico, abstrato, ou ainda em um deus observador, distante e
ausente, características concluídas do conjunto das idéias defendidas por esses
modernos religiosos. Em contrapartida, nos sugere a narrativa bíblica, crer num
Deus Criador é crer num Deus que
pretendeu, planejou e quis criar o universo. Quis trazer você, eu, nossas
famílias, todos e todas as coisas à existência por amor. Ele se importou comigo
mesmo antes de eu existir. Nem você, nem eu, nem ninguém é obra do acaso. Deus
se envolveu na criação, cuidou de tudo nos mínimos detalhes, realizou toda a
obra de forma participativa e soberana, estabelecendo formas, métodos, princípios...
Tudo o que fosse necessário para que ao final pudesse dizer: “... muito bom!”.
Tu és digno, Senhor e
Deus nosso, receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu
criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas.
Apocalipse 4:11; RA
Somos o que somos e estamos onde estamos, pela vontade realizadora de Deus. Ele, muito embora pleno e tendo em si
mesmo a satisfação de tudo o que envolve sua existência eterna, quis criar a humanidade para, com ela,
dividir a glória de existir, de ter vida. E para isso não mediu esforços. Nem
mesmo a falta de matéria para criar o
universo o impediu de realizar sua vontade de trazer à existência aquilo que
concebeu. Deus cria do nada aquilo que antes não existia. Não por pura exibição
de poder, mas por sua determinação última em criar um ser à Sua imagem e
semelhança, a quem viria dar o domínio de tudo o que criasse. O amor de Deus expresso
em sua soberana vontade criadora, não conheceu barreiras que o pudesse deter.
Não é de se estranhar que este mesmo Deus se concentre em buscar o homem, em
resgatá-lo. Trazê-lo para perto, e estabelecer com ele intenso e sincero
relacionamento, comunhão estreita, Criador e criatura, Deus e Homem... Pai e
filho.
Acreditar em Deus como criador do universo é mais que um conceito
teológico. É perceber que Ele se revela na criação. Não é em vão que o apóstolo
Paulo afirma que “... o que se pode conhecer a respeito de Deus está
bem claro para elas (pessoas que
dizem não crer em Deus), pois foi o
próprio Deus que lhes mostrou isso. Desde que Deus criou o mundo, as suas qualidades
invisíveis, isto é, o seu poder eterno e a sua natureza divina, têm sido vistas
claramente. Os seres humanos podem ver tudo isso nas coisas que Deus tem feito
e, portanto, eles não têm desculpa nenhuma. Eles sabem quem Deus é...” (Romanos
1:19-21; BLH).
Podemos concluir, então, que há grande
relevância em se crer que Deus é o
Criador do universo. Essa crença determina a visão como cidadão do
cosmos, amplia a compreensão da vida em todos os seus aspectos, e influência o
grau de relacionamento com Ele. Pois quando não acreditamos no Criador, O
limitamos em sua capacidade realizadora e anulamos em essência seus atributos.
Fazemo-lo espectador da história, mero observador da vida, que se desenrola
alheio a sua vontade e controle.
Não crer num Deus Criador, é destroná-lo, fazê-lo impotente. Um fantoche, produto
do imaginário coletivo, resultado da fragilidade humana. Porque se Deus não criou
o universo e tudo o que nele há a quem é que adoramos? Em quem é que cremos? Porque
se Ele não criou, também não se envolveu. E se não se envolveu também não se
interessou e nem se interessa pela humanidade, ou apenas o faz naquilo que O
convém. Logo, nos entrega à própria sorte. Ora, um Deus assim não ama. E sem
amor, como poderia se esvaziar de si mesmo para encarnar e salvar o mundo? Se
Deus não é Criador, então o cristianismo é uma grande fraude, e somos todos
infelizes, loucos e alienados. Se Deus não é Criador, em que se sustenta a
nossa fé?
De certa forma, a Criação está para o Antigo
Testamento no que se refere à sustentação do poder realizador de Deus em
benefício do seu povo, como a Encarnação está para o Novo Testamento, no que
diz respeito ao poder redentor de Deus e sua vontade de salvar a humanidade.
Paralelamente, tanto a criação quanto a encarnação revelam um Deus pessoal,
cheio de amor, agindo incondicionalmente e acima de toda e qualquer dificuldade.
Primeiro para criar um ser com quem dividisse a glória de sua existência, e com
Ele se relacionasse, e segundo para resgatar esse Homem e novamente
restabelecer relacionamento com Ele. Ambos os fatos, cada um em seu contexto
histórico, são os detentores fatuais da demonstração maior do interesse de Deus
pela humanidade, do seu desejo último de ter esse Homem por perto em íntima comunhão
e estreita interação.
Levantai ao alto os
olhos e vede. Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o seu exército de
estrelas, todas bem contadas, as quais ele chama pelo nome; por ser ele grande
em força e forte em poder, nem uma só vem a faltar.
Isaías 40:26;RA
Assim diz Deus, o
Senhor, que criou os céus e os estendeu, formou a terra e a tudo quanto produz;
que dá fôlego de vida ao povo que nela está e o espírito aos que andam nela.
Isaías 42:5; RA
Assim diz o Senhor,
que te redime, o mesmo que te formou desde o ventre materno: Eu sou o Senhor,
que faço todas as coisas, que sozinho estendi os céus e sozinho espraiei a
terra;
Isaías 44:24; RA
Que diremos, pois, à
vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não
poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não
nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra
os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus
quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também
intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou
angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?
Romanos 8:31-35; RA
Tende em vós o mesmo
sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de
Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido
em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e
morte de cruz.
Filipenses 2:5-8; RA
Por esta razão, em alguns textos do Antigo
Testamento, principalmente nos capítulos 40 a 57 de Isaías, a criação é citada
antes da predição do que Deus pretende fazer a favor do seu povo. Da mesma
forma os escritores do Novo Testamento sempre sustentaram suas afirmações sobre
a misericórdia e o amor de Deus, no fato de ter Ele enviado seu filho em favor
de nós. O que na verdade os autores pretendiam, era conclamar seus ouvintes e
leitores a crerem que, o que virá adiante, é obra do Deus que criou e do Deus que encarnou. Estão, na verdade,
chamando-os à fé. Numa palavra, à luz do que diz o autor em Hebreus 11:3, tanto
crer num Deus Criador, quanto crer num Deus Redentor é uma atitude de fé.
E fé, é por si só,
uma atitude definitivamente relevante.
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