I
– História das origens do universo e da humanidade (1:1 – 11:32)
A. A criação do universo e da vida (1:1 – 2:3)
Capítulo 1
Na eternidade...
1 No princípio,
[1] criou[2] Deus[3] os céus e a terra[4].
[1] (1:1)
No princípio, Hebr. Beréshit
Considerando
algumas diferentes interpretações possíveis e de aceitável coerência em seus
conceitos implicativos, podemos destacar:
Beréshit seria melhor traduzido por In princípio como na
Vulgata, fazendo com que a frase remonte a um estado de coisa e não a um
instante de tempo, um momento na história cósmica. Neste caso, beréshit seria uma afirmação quase
dogmática decisiva e inquestionável, sendo ao mesmo tempo causa e efeito para
se crer em tudo que é apresentado nos versículos seguintes, podendo ser
traduzido por em princípio ou a princípio. Seria, portanto, a base aceitável
para sustentação de toda a narrativa seguinte. Uma verdade inapelável, e uma
crença indispensável a quem iria ler a narrativa da criação e toda a história
que se desdobra ao longo do livro. É como se o autor (parafraseando) iniciasse
sua narrativa assim: “ Pra início de conversa...” ou “Pra começar e que fique
bem entendido...”Podemos, apenas para efeito didático, chamar esta teoria de
Conceito da Verdade Absoluta.
Uma
outra hipótese também muito aceitável, seria a de que o autor se referia a
disposição/determinação de Deus em criar o universo, concebida em algum momento
na eternidade, anterior ao momento da criação propriamente dito. Ou seja, no
princípio de tudo... antes mesmo do princípio do universo... Deus já pensava em
criar... Esta interpretação toma por base que beréshit também é a palavra utilizada na tradução do grego para o
hebraico em Jo.1:1, onde certamente princípio não é o momento da criação, mas
um instante indeterminado e inimaginável na eternidade passada. A esta teoria
chamaremos de Conceito da Disposição Criadora.
A
terceira hipótese de interpretação do texto, é a de que ele se refere a uma
criação anterior à registrada a partir do segundo versículo. Assim, os que
defendem esta teoria, acreditam que existiu um outro planeta anterior ao que
habitamos atualmente, e que a narrativa iniciada no versículo dois conta a
história da recriação da terra após sua destruição imposta pelo próprio Deus.
Novamente parafraseando o autor, é como se sua narrativa dissesse: No primeiro
princípio... ou Na primeira vez que tudo foi criado, foi Deus que criou... ou
ainda Deus já havia criado o universo, quando... Esta teoria pode ser chamada de Conceito da
Recriação ou Teoria do Intervalo.
Por
último, a mais popular e aceita teoria referente a interpretação de No
princípio, considera que o texto se refere ao instante inicial do processo criacional, no qual Deus cria a
matéria-prima sobre a qual irá trabalhar nos seis dias narrados a seguir. No
princípio então, significaria efetivamente o primeiro segundo do relógio
cósmico no conceito humano de tempo, estabelecendo um ponto de partida da
cronologia dentro da eternidade, abrindo a cortina do palco onde se desdobra
toda a história do universo. A esta última teoria chamaremos de Conceito do
Princípio
[2] (1:1) criou, Hebr. bára
Este
verbo somente admite Deus como sujeito. Outras palavras são sinônimas, como ãsãh (fazer), yãsar (formar) e kûn
(estabelecer), sendo algumas vezes também traduzidas por “criar”. Somente bára, porém, é utilizada quando o contexto
embute a idéia de “criar do nada”, ou criar algo totalmente original.
Analisando
o paralelo estabelecido em algumas passagens de Gênesis (1:26,27; 2:4; 5:1 –
todas na ARC), onde bára e ãsãh
(fazer) se alternam, podemos arriscar concluir que bára não só tem o
significado de criar a partir do nada (do latim creatio ex nihilo), como também traz a idéia de concepção primeira
e intencionada, onde a vontade divina se mostra totalmente soberana, uma fez
que atravessa os estágios entre o nada e a obra acabada, desde a sua concepção,
passando pelo surgimento da matéria da qual será formada, até a sua forma final
exatamente de acordo com o propósito e a imaginação criadora de Deus.
Em
função de nossa dificuldade de imaginar um poder criador dessas proporções,
podemos, a título de ilustração, imaginar a seguinte cena: Um artista plástico
se aproxima de sua bancada de trabalho e para diante dela. Ali se detém
imaginando, concebendo criativamente, planejando a realização de sua obra. Ele
calcula a utilidade, o sentido, o propósito de sua invenção. Imagina a forma,
resistência, vida útil, aplicações... Sua capacidade inventiva se gasta
totalmente em tudo que envolve e envolverá a coisa a ser criada. Um item porém
fica para o final: a matéria-prima. Esse item tão importante e primordial para
a realização da obra concebida, precisa atender plenamente a todos os
parâmetros planejados e imaginados para sua criação. Então o artista conclui
que tal matéria-prima não existe em canto algum do universo, e sem ela nada do
que fora imaginado poderá ser trazido a existência diante de tão primário
empecilho. Sendo porém este artista um ser dotado de capacidade criativa
incomparável e surpreendente, ele faz surgir diante de si mesmo e sobre sua
bancada de trabalho, a matéria-prima da qual precisava, exatamente do jeito que
imaginou e com as propriedades necessárias para a realização de sua obra. Este
instante de criação da matéria inaugura a realização da obra como um todo, e
para tudo o que precisa formar, ele tanto cria a matéria que utilizará, como
também se utiliza de substratos já resultantes, nas etapas seguintes de sua
obra.
O
conceito de bára, portanto, encerra
mais que uma condição “mágica” de trazer a existência aquilo que não existe.
Traz também a idéia de onipotência, ação soberana, livre de qualquer impedimento
ou mesmo contra tempo que possa desviar o Criador do objetivo planejado, da
criação concebida. Bára encerra o
conceito de vontade divina, de criação objetiva e inteligente, providencial e
amorosa, conquanto denota empenho elucubrativo em busca da perfeição que
beneficiará a criatura. (Ver artigo “A Relevância de um Deus Criador”)
[3] (1:1) Deus, Hebr. Elohim
Primeiro
nome pelo qual Deus é comunicado na Bíblia. Ele é apresentado em uma forma
plural seguido pelo verbo (bára) no
singular, sugerindo a compreensão e unificação de todas as forças infinitas e
eternas. Uma forma de indicar as
múltiplas e ilimitadas manifestações de Deus e seus atributos.
Não
podemos esquecer, ainda, que esta primeira declaração de que Deus é o autor da
criação do universo, é uma afirmação
única e solitária e que se contrapõe a um ambiente extremamente politeísta,
onde existe uma variada quantidade de deuses, com extrema diversidade de
formas, funções e características. Ora, o que é o politeísmo, senão a expressão
da incapacidade humana de conceber um ser único, capaz de possuir em si mesmo
uma tão intensa pluralidade de atributos, manifestando total equilíbrio de suas
potencialidades. Provavelmente Moisés faz uso dessa forma, para distinguir o
Deus de Israel dos demais deuses pagãos, afirmando-o como único e soberano,
sendo Elohim, “aquele que deve ser reverenciado por excelência”.
[4] (1:1) céus e a terra
A
referência aqui não está limitando a ação criadora de Deus aos céus e terra
somente, mas está na verdade englobando todo o universo no seu ato criador. Ou
seja, o que não é Deus, é criação de Deus. A citação de céus e terra deve-se à
forma literária hebréia de dar a idéia de todo, expressando sempre seus
extremos: “céus e terra”, “alfa e ômega”, “princípio e fim”, como em Ap. 22:13.
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