Provérbios 8:22-36 - JFA
"22 O Senhor me criou como a primeira das suas obras, o princípio dos seus
feitos mais antigos. 23 Desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes de existir a
terra. 24 Antes de haver abismos, fui gerada, e antes ainda de haver fontes cheias
d`água. 25 Antes que os montes fossem firmados, antes dos outeiros eu nasci, 26 quando ele ainda não tinha feito a terra com seus
campos, nem sequer o princípio do pó do mundo. 27 Quando ele preparava os céus, aí estava eu; quando
traçava um círculo sobre a face do abismo, 28 quando estabelecia o firmamento em cima, quando se
firmavam as fontes do abismo, 29 quando ele fixava ao mar o seu termo, para que as
águas não traspassassem o seu mando, quando traçava os fundamentos da terra, 30 então eu estava ao seu lado como arquiteto; e era
cada dia as suas delícias, alegrando-me perante ele em todo o tempo; 31 folgando no seu mundo habitável, e achando as
minhas delícias com os filhos dos homens.
32 Agora, pois, filhos, ouvi-me; porque felizes são os que guardam os meus
caminhos. 33 Ouvi a correção, e sede sábios; e não a rejeiteis. 34 Feliz é o homem que me dá ouvidos, velando cada
dia às minhas entradas, esperando junto às ombreiras da minha porta. 35 Porque o que me achar achará a vida, e alcançará o
favor do Senhor. 36 Mas o que pecar contra mim fará mal à sua própria alma; todos os que me
odeiam amam a morte."
Minerva, deusa da sabedoria, doma o centauro - Boticelli, circa 1490 |
O sábio
faz uma mudança drástica em seu discurso. A própria sabedoria assume a
narrativa e passa ela mesma a apresentar suas credenciais, até então declaradas
pelo sábio. É como se o sábio sentisse enfraquecer os seu argumentos quanto a
superioridade da sabedoria, diante da atitude ensimesmada do tolo e do louco. Já que eu a anuncio e ninguém me ouve, já
que falo como quem anuncia ao vento, então deixarei que a própria sabedoria lhes
tente advertir diretamente. Sai de cena o sábio; entra a própria sabedoria,
em pessoa.
A
sabedoria começa revelando em uma só afirmação composta, que ela não é deus, porquanto foi criada, mas que
é a primeira de todas as suas criações, o
princípio dos seus feitos mais antigos. - Como assim? Perguntariam. - A
sabedoria não é um atributo divino? Não é inerente a Deus? Então como foi
criada? Entendo perfeitamente os questionamentos, e tentaremos chegar a
algum lugar juntos. Mas precisaremos ir devagar aqui, pois o terreno é traiçoeiro
e escorregadio.
Todo e
qualquer atributo é por si só uma abstração. Não é uma característica palpável,
tangível. Atributos, portanto, apenas são percebidos mediante suas manifestações.
São revelados em pleno exercício de realização. Por exemplo, alguém pode ser intrinsecamente
bom, ter inclinações naturalmente boas. Mas essa bondade intrínseca só poderá
ser percebida quando esse mesmo alguém realizar algum ato, cuja observação leve
à percepção da bondade em seu pleno exercício. Da mesma forma, ainda que toda
inclinação intrínseca seja boa, ainda que em essência haja bondade em alguém,
caso não ocorra qualquer oportunidade para realização da bondade, a bondade não
se manifestará, e em não se manifestando, o observador não terá como afirmar se
esse alguém é ou não bom. Sem exercício, sem realização. E sem realização, não
há manifestação.
Deus é
sábio. E tal atributo percebemos pela contemplação da natureza criada, sua
complexidade, pertinências e finalidades. Mas isso entendemos e percebemos
agora; tudo criado e ordenado. Porém em algum momento da eternidade passada, em algum instante anterior à criação de tudo
mais, em um instante primordial, Deus
agiu sabiamente no exercício de alguma escolha. Ainda que tal instante seja inimaginável,
foi nesse instante que a sabedoria diz de si mesma, ser criada. Portanto não
sendo ela mesma deus, pois foi criada, o foi antes de tudo o mais.
Da
eternidade passada até o instante presente há um tempo bastante longo e interessante.
Rico de fatos e de exercício dessa mesma sabedoria, que personificada na narrativa
de provérbios, acumulou enorme experiência. Essa é a intenção da narrativa pela
própria sabedoria; ela reivindica o direito de orientar, de definir conceitos mínimos
sobre o comportamento humano, e instruir sobre tudo. A experiência é um fator
preponderante a favor do direito da sabedoria, em ensinar a viver.
Reivindicado
o direito à instrução mediante a experiência, a sabedoria devolverá no versículo
32 a narrativa ao pai. Igualmente a sabedoria, os pais são mais experientes que
seus filhos, o que lhes franquia igual direito de instruir e ensinar. Suas experiências
são capazes de orientar para o entendimento e o temor a Deus. A experiência
confere conhecimento sobre a alma humana, e de suas multiformes possibilidades,
bem como amplia o entendimento sobre a dinâmica da vida, que se sucede autonomamente
em um mecanismo de causa e efeito, em que tais
escolhas levarão a determinadas
circunstâncias; a base do ensino proverbial.
É
importante ressaltar que, como se apresenta no trecho final do nosso texto em
estudo, a sabedoria não se impõe e nem mesmo pode ser assimilada intuitivamente.
É preciso haver atitude em querer a sabedoria. Existe um passo que deve ser
dado em sua direção. Dar-lhe ouvidos é escolher
seguir sua recomendação, em lugar de agir pelos próprios instintos. E se a
sabedoria tem o temor a Deus como seu princípio incondicional, não há como agir
sabiamente, se não houver antes um temor ao Senhor.
"20 Donde, pois, vem a sabedoria? Onde está
o lugar do entendimento? 21 Está encoberta aos olhos de todo vivente, e oculta às aves do céu. 22 O Abadom e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos um rumor dela. 23 Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar. 24 Porque ele perscruta até as extremidades da terra, sim, ele vê tudo o que
há debaixo do céu. 25 Quando regulou o peso do vento, e
fixou a medida das águas; 26 quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos
trovões; 27 então viu a sabedoria e a manifestou;
estabeleceu-a, e também a esquadrinhou. 28 E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se
do mal é o entendimento."
Jó 28:20-28 - JFA
No
texto acima, Jó ressalta que a sabedoria não está disponível fora da relação
com Deus. Esse texto é um negativo do texto de Provérbios. Se a sabedoria diz
que estava com Deus realizando a criação, Jó afirma que a sabedoria não está na
criação. Embora a criação a manifeste, ela não se encontra nela como bem a ser
adquirido, ou entendimento a ser absorvido. Na criação Deus a manifestou (v.
27).
É claro
que haverá quem torça o nariz e rebata, dizendo que é ingenuidade achar que
quem não teme a Deus não pode ter conhecimento e inteligência para conhecer e
desvendar a toda a ciência do mundo. E é verdade. Obviamente o conhecimento
científico está a mercê de todo ser humano, e ao alcance de qualquer empenho
dedicado a desvendar ao máximo seus mistérios. Acontece que tanto Salomão em
Provérbios, bem como Jó no livro que leva seu nome, não se referem ao
conhecimento científico. Aliás, tanto um quanto o outro parece relegar tal
conhecimento, considerando-o, não obstante sua importância funcional, como
secundário para uma preocupação última do ser humano.
Ao
afirma no versículo 28 que o próprio Deus diz ao homem que o temos do Senhor é a sabedoria, e o apartar-se do
mal é o entendimento, Jó deixa
implícito que todo o conhecimento acumulado, toda a informação catalogada, bem
como todos os livros que puderem conter o registro do crescente conhecimento
humano, jamais poderão fornecer à humanidade aquilo que em essência precisa ter
para viver; porque no fim, sabedoria é temer
a Deus e o conhecimento mais precioso é apartar-se
do mal.
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