Provérbios - Lição XXIII


Provérbios 12 - B
Versículos Selecionados - JFA


2 O homem de bem alcançará o favor do Senhor; mas ao homem de perversos desígnios ele condenará.
3 O homem não se estabelece pela impiedade; a raiz dos justos, porém, nunca será, removida.  
5 Os pensamentos do justo são retos; mas os conselhos do ímpio são falsos.  
6 As palavras dos ímpios são emboscadas para derramarem sangue; a boca dos retos, porém, os livrará.  
7 Transtornados serão os ímpios, e não serão mais; porém a casa dos justos permanecerá.  
13 Pela transgressão dos lábios se enlaça o mau; mas o justo escapa da angústia.  
14 Do fruto das suas palavras o homem se farta de bem; e das obras das suas mãos se lhe retribui.  
17 Quem fala a verdade manifesta a justiça; porém a testemunha falsa produz a fraude.  
19 O lábio veraz permanece para sempre; mas a língua mentirosa dura só um momento.  
20 Engano há no coração dos que maquinam o mal; mas há gozo para os que aconselham a paz.  
21 Nenhuma desgraça sobrevém ao justo; mas os ímpios ficam cheios de males.  
22 Os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor; mas os que praticam a verdade são o seu deleite.  


Como prometemos em nosso último encontro nessa coluna, nos mantemos no capítulo 12, variando a análise para um outro grupo de versículos, que apontam para mais uma seqüência harmônica na relação entre raiz e fruto, entre pensamento e atitude. E nessa lição estaremos confrontando perversidade versus bondade, fraude versus retidão, e mentira versus verdade.

E podemos começar apontando para a bondade, como alvo do favorecimento de Deus, ao contrário da perversidade que se torna razão de condenação e repúdio pelo Senhor. Essa afirmação no versículo dois, traz a do versículo seguinte a reboque, falando sobre a insustentabilidade da vida do ímpio, em contraste com a firmeza e a segurança da raiz do justo. Esse tema volta a tona nesse capítulo, e de certa forma quer demonstrar, por sua reincidência ao longo do livro de Provérbios, que havia alguma tendência na sociedade contemporânea ao texto, em fraquejar de sua convicção de conduta, diante do sucesso aparente ou temporário daquele que perversamente consignava algum ganho. Por isso não inveje o homem violento[1] é, em suas variáveis, uma advertência recorrente no livro.

A preocupação do sábio com a fragilidade da convicção quanto as vantagens de ser correto é tão grande, que ele repete com poucas mudanças o princípio de que ser reto e justo pode trazer, não só ao justo mas também à toda sua família, a solidez de seus julgamentos e escolhas. O homem sábio que teme a Deus, tem sua segurança e sua conduta garantida e sustentada por Deus.

Pode parecer óbvio e tolo, mas na prática não é. Vivemos em uma sociedade em que as pessoas são recompensadas pelos valores atribuídos às suas atitudes, bem como premiadas pelos resultados consignados em acordos comerciais, campanhas esportivas bem sucedidas, crescimento de patrimônio, e aumento de faturamentos, entre outros. Sempre recebemos algo em troca do que fazemos, ou melhor, recebemos pelo que merecemos. Estamos acostumados com o toma lá da cá do pragmatismo existencial. E portanto, se eu que me julgo um indivíduo que busca com sinceridade viver corretamente, mas não consigo ver realizados meus sonhos de vida, ou bem poucos deles, enquanto que os perversos e ímpios realizam e se realizam em tudo na vida, segundo meu julgamento, qual a vantagem em ser correto, justo e bom? O que é que eu ganho com isso?

De certa forma, a própria pergunta pelo sentido e vantagem da bondade em comparação aos melhores resultados de uma prática perversa, por si só já denuncia, segundo entendo, uma presumida bondade e correção, que está longe de surgir de um genuíno coração entusiasmado por esses probos atributos. Sim, porque se o resultado obtido me serve de fiel da balança, que define minha inclinação pelo justo ou pelo injusto, que proveito tenho em agir justamente, apenas vislumbrando uma recompensa que espero por retribuição, e não por promessa? Não que a promessa aqui não exista, mas ela serve de direcionamento; nunca como objeto de troca. A bondade de Deus não barganha, mas premia o coração bondoso e justo.

Na estrada das perversidades, encontram-se também as fraudes, que se contrastam e se antagonizam diametralmente à retidão e à honestidade. O fraudador é aquele que perversamente se locupleta do prejuízo do outro, sendo tal prejuízo, em grande medida, causado pelo próprio fraudador. Inserem-se aqui as negociatas, as transações comerciais suspeitas, as improbidades, a corrupção que grassa todo o país em seus diversos níveis e escalões da administração pública. Mas não só essas, mas também os trocos devolvidos a menos ou recebidos a mais, a balança infiel, as inadimplências propositadas. Toda e qualquer atitude em que o benefício próprio decorre do prejuízo alheio.

Nesse capítulo porém, a fraude objeto de crítica e comparação com a honestidade e a retidão, é o engano. A língua mentirosa e a testemunha falsa, tão intimamente ligadas, produzem leviandades tais, que como atos perversos e de grande maldade, são citados como abomináveis a Deus. E por abomináveis que são, têm vida curta em seus caminhos, bem como os que as praticam. Não firmarão raízes.

Estive pensando sobre a questão da mentira e do engano, e por que razão tal perversidade é tão fortemente rechaçada na Bíblia, a ponto de ser citada em diversas passagens como demoníaca e abominável. Um verdadeira língua incendiária, de cujos praticantes ficarão de fora da Cidade Santa, conforme narra a visão de João no livro de Apocalipse[2]. Não precisei ir muito longe, porque se formos bem honestos, podemos pensar no que é que nos impulsiona à mentira, seja ela de que tamanho for, em que circunstância for, ou por mais nobre que se reivindique que seja ela ou o momento em que dela nos utilizamos. - Ah! mas eu jamais menti! - Poderá dizer alguém já com a pedra na mão para jogá-la em mim... Ótimo! continue assim. Eu todavia ainda preciso da misericórdia de Deus.

A mentira pode ser tanto um impulso à não verdade que se pretenda acobertar uma verdade desconfortável, uma realidade com a qual não se saiba conviver ou como solucionar, como pode ser também uma ardilosa e engendrada artimanha, que vise ludibriar alguém ou criar circunstâncias, ou ainda causar sensações que beneficiem o mentiroso, trazendo-lhe vantagens que a verdade não traria. De uma maneira ou de outra, a mentira é uma ocultação da verdade, que por verdade pode não ser propícia ao mentiroso, segundo seu julgamento, ou conhecimento de causa. E tal ocultação mentirosa, que ludibria seu interlocutor, é feita aproveitando-se de sua boa fé, sua boa vontade em acreditar no que diz o mentiroso. Aquele que é enganado pela mentira, é traído pelo mentiroso em sua ingenuidade e confiança. Talvez por isso seja tão abominável a Deus.

Na prática, nosso dia a dia nos convida à mentira. Mentimos a clientes, a patrões, a funcionários, a eleitores, a cidadãos, a cobradores, aos amigos, aos pastores, às ovelhas, aos pais, aos filhos e aos cônjuges. Lançamos mão da mentira com tanta facilidade, que não utilizá-la, muitas das vezes nos faz ser julgados ou mal avaliados por nossos circunstantes, que não entendem qualquer lampejo de honestidade e verdade naquilo que declaramos, afirmamos ou garantimos. - Você ficou maluco? Vai falar a verdade? Não vai dar certo... Por isso tantas coisas que escutamos em nosso dia a dia, sofrem de presunção primordial de mentira. É sempre preciso ver para crer.

Numa análise menos fria, porém não menos nociva da mentira, ela é uma flagrante insatisfação com a realidade em que se vive ou se viveu uma determinada verdade; e então a ocultamos. Uma frustração de infância, uma desilusão na juventude, um projeto não concluído, um sonho não realizado... Diversas podem ser as razões que levem um indivíduo qualquer a encobrir a verdade com uma fantasia que se pretende inofensiva. Mas ainda assim tal inverdade estará a mercê apenas da vaidade do mentiroso fantasioso.

É claro que o texto está se concentrando na mentira caluniadora. Aquela mentira que tem objetivo certo, um bem imediato ou diretamente ligado à trama em que se insere a calúnia. Mas nem por isso o que dissemos deixa de ser aplicável à mentira como hábito perigoso e demoníaco. A calúnia e o falso testemunho trazem uma enorme carga de perversidade em suas realidades, porque diferentemente de um instinto de preservação viciado, que pode não causar necessariamente prejuízo algum a terceiros, é fruto de um planejamento cruel, pensado em suas possibilidades e conseqüências, que visa tão somente ferir e manipular a realidade do outro. A calúnia, a incitação, e a intriga são abomináveis. E não o são sem motivos.

Que o Senhor nos cure as línguas e os corações enganosos, que mesmo repletos de boa vontade e intenções, não resistem ao engodo reflexo da ocultação da verdade. Que mesmo com a melhor das boas intenções, nos acostumemos à verdade, por mais dura, por mais cinza, por mais contrária ou diferente do que sonhávamos para nossas vidas. E Deus criará bases sólidas e raízes profundas, que retornarão cor aos nossos cotidianos. Uma vida de verdades, em verdade, é uma vida que se assenta na rocha que é Deus.



[1]  Provérbios 3:31; 23:17; 24:1,19
[2]  Apocalipse 22:15

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