“Bem-Aventurados os que choram,
porque eles serão consolados."
Mateus 5:4 - KJA
“Bem-Aventurados os lamuriantes,
porque eles serão consolados."
Mateus 5:4 - NT Inerlinear
Há uma relevante ligação entre a
primeira e a segunda bem-aventurança, revelando uma decorrência da segunda em
virtude da primeira. Ou seja, os que choram,
choram porque se reconhecem pobres. Por
não terem espíritos altivos, são sensíveis ao convencimento do Espírito Santo. Ao
reconhecerem suas condições de carência diante de Deus, suas fragilidades e inevitável
perenidade, lamentam e pranteiam suas realidades, produzindo um choro que vai além de suas próprias lágrimas.
No texto de Mateus, aparece a palavra penteō, que significa pranto, lamento ou tristeza. Sentimentos que estremecem a alma, nos
abatendo e perturbando a auto-confiança. O choro, o derramar de lágrimas
apenas, em si mesmo nada é. Somos capazes de chorar de tanto rir, por uma
alegria imprevista, ou até mesmo por uma cena romântica. Portanto, ao dizer que
os que lamentam ou pranteiam serão consolados,
Jesus está se referindo àqueles cujo derramar de lágrimas vem das profundezas
de almas lamuriantes, sinceramente
tristes e emocionalmente abaladas.
Ora, qualquer ser humano pode passar
por uma tristeza muito forte, e ficar por conta disso profundamente abalado. Se
alguém ainda não passou, passará com certeza. Seja por um amor não correspondido,
pela reprovação em um concurso, ou mesmo pela perda de um ente querido, todos
um dia sentimos uma dor mais aguda, uma dor mais doida, que atravessa o peito, sangrando o coração com lágrimas sentidas.
Sofremos perdas; e por elas almas sofridas se doem e choram.
“35 Jesus chorou. 36
Disseram então os judeus: Vede como o amava."
João 11:35-36 - JFA
Mas não obstante a legitimidade dessas
lágrimas, por mais que elas surjam de corações doidos e sinceros, seria por motivações como essas que Jesus diz
serem bem-aventurados os que choram? Seriam essas lágrimas, um sinal de que
haverá consolo no Reino dos céus. Tais lamentos são capazes de transformar as
pessoas, salvando-as de si mesmas? Sim, porque por mais doidas que sejam suas
motivações, nenhuma delas podem produzir reconhecimento da pobreza espiritual;
se muito, a constatação de nossa pequenez e finitude diante de Deus e de sua
bondade.
Creio que Jesus está falando de um
lamento que receberá consolo definitivo apenas no porvir. De um conforto que se
concretizará, não no aqui e agora,
mas no ali e além de nossas vidas no
Reino dos céus. Um consolo eterno para toda e qualquer lágrima doída de tristeza, lamento e pranto, causados
pela pobreza espiritual e pelo estado de afastamento de Deus, do qual toda a humanidade
padece. Portanto, nosso choro não se
extingue nessa vida. É ele um lamento que perdurará latente, enquanto o coração
dos que estão em marcha pulsarem no
peito experimentado em dores. É um pranto que mesmo sem lágrimas, ecoará dentro
da alma piedosa e contrita diante de Deus, enquanto caminharmos como peregrinos
em terra estranha.
“Jerusalém, Jerusalém, que matas
os profetas, apedrejas os que a ti são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar
os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não o
quiseste!"
Mateus 23:37 - JFA
Um paralelo com o choro dos que sofrem
por suas condições sócio-econômicas é inevitável, uma vez que os pobres são, em
sua esmagadora maioria, as principais vítimas diretas ou indiretas de toda
maldade e vilania humana. O contraste em Lucas com os "que agora riem",
aponta para o fato de que, se há os que lamentam, há os que se alegram em meio às mesmas condições, não
obstante dividirem o mesmo cenário mundial de horrores e devastação moral. O
desejo de falar sobre isso é inevitável. Mas resistindo a tal impulso, preferirei
fugir desse contexto, ainda que ele não me seja menos tocante. Pelo menos por
agora.
Relativamente ao discurso do Sermão do
Monte, gosto de pensar que os que não lamentam,
os que não sofrem e portanto não choram, não o fazem pura e exclusivamente
porque, para eles, pouco importa tanto o estado de falência da humanidade
afastada de Deus, quanto suas próprias condições espirituais, que segundo seus
próprios juízos e racionalizações, encontram-se extremamente adequadas e convenientes
a interesses oportunos. A auto-confiança que produz a falsa sensação de segurança,
permeia a altivez dos que agora riem
ou não pranteiam, produzindo em si mesmos,
a recompensa de suas soberbas. Loucos!
Hoje lhes pedirão as almas. E tudo sobre o que repousam suas seguranças, para
quem será?
“9 Agora folgo, não porque fostes
contristados, mas porque o fostes para o arrependimento; pois segundo Deus
fostes contristados, para que por nós não sofrêsseis dano em coisa alguma.10
Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, o qual não
traz pesar; mas a tristeza do mundo opera a morte."
2 Coríntios 7:9-10 - JFA
É por isso que me assustam os
defensores do evangelho da auto-ajuda,
das palavras de ordem, dos gritos de guerra e das declarações de afirmação de
prosperidade e de alegrias blindadas. O cristão, ainda que feliz por sua esperança
e confiança de sua salvação, tem muito o que lamentar e prantear, não chorando um choro apenas teatral, e por
isso incapaz de lhe arrancar de sua inércia. É preciso vertemos lágrimas que nos impulsionem a testemunhar
e a pregar o evangelho da cruz, do arrependimento, e da conversão a Deus a ao
seu Cristo.
O cristão precisa manter-se livre das amarras
de uma vida sedutora, e da idéia de que o pretenso bem estar sócio-econômico de
sua vida, testemunhará a favor do poder do evangelho. Vidas transformadas são o
maior e melhor testemunho que podemos oferecer ao mundo. Devemos nos tornar pessoas
que, cheias do amor de Deus, pranteiam
com aqueles que choram suas angústias
e desesperanças, em meio a um mundo que insiste em nos oprimir e a nos presentear
com constantes e variados momentos de tristeza, nos confrontando com a realidade
lamentável de que o mundo jaz no maligno.
Quanto mais pretendemos ter, esperando que essas coisas nos
consolem, mais presos ficaremos a um estado
de coisas que nos deveriam ser motivo de pranto e dor. Vejo que na verdade os desejamos profunda e visceralmente.
Será que na verdade, o que queremos mesmo é sermos aqueles que agora riem?
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