Por Jânsen Leiros Jr.
“8 Disse-lhe Felipe: Senhor,
mostra-nos o Pai, e isso nos basta. 9 Respondeu-lhe Jesus: Há tanto
tempo que estou convosco, e ainda não me conheces, Felipe? Quem me viu a mim,
viu o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? 10 Não crês tu que eu estou no Pai,
e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim
mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é quem faz as suas obras. 11
Crede-me que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim; crede ao menos por causa
das mesmas obras. 12 Em verdade, em verdade vos digo:
Aquele que crê em mim, esse também fará as obras que eu faço, e as fará maiores
do que estas; porque eu vou para o Pai; 13 e tudo quanto pedirdes em meu
nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. 14
Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu a farei.
João 14:8-14 - JFA
Sempre que eu lia esse texto de João,
em que o próprio Jesus nos disse que realizaríamos as mesmas obras que ele
realizava, eu me questionava quanto ao que isso significaria na prática, já que
na maioria das vezes flanamos sobre o texto sem nele nos determos, senão na
primeira parte apenas. E como se não bastasse dizer que faríamos as mesmas obras, ele acrescentou que as faríamos
maiores do que aquelas, porque eu vou
para o Pai. Mas que obras seriam essas?
Tais questionamentos são
invariavelmente ignorados, ainda que legítimos, pela agenda pragmática de um evangelho de resultados. Com uma comunicação
empobrecida e rasa, sustentada em frases de efeito e palavras de ordem, a dinâmica
da maioria dos que deveriam nutrir o povo com alimento sólido, se ocupa em
entreter suas audiências com mágicas, piruetas e palhaçadas, num picadeiro
dantesco de um espetáculo que não pode
parar.
Para uma relevante parcela dos evangélicos,
as obras de Jesus ficam restritas aos milagres que operou, sem qualquer menção
ao que se pretenderam todos eles. E não são poucos os líderes que
convenientemente ajustam suas pautas de púlpito, para atenderem a um crescente
hedonismo frívolo disfarçado de piedade, que infantiliza as multidões e perpetua
um sequioso comportamento egoísta dá, dá[1].
Ora, comprometidos que se fazem com a
manutenção da histeria coletiva que promovem entre seus seguidores, gastam-se
na produção de espetáculos de fé e milagres, para uma multidão que acostumou-se
a ser entretida convenientemente com mágicas e encantamentos. Afinal, dizem a
si mesmos, nossos milagres seriam mesmo
maiores do que os de Jesus, e ainda que Deus
é o mesmo ontem, hoje e eternamente, buscando sustentar no texto bíblico,
sem qualquer temor ou tremor, a manipulação que fazem das gentes que os
acompanham ao abismo[2].
Pode ser que a essa altura já se pense
que não passo de mais um cético insensível, que não acredita em milagres nem no
poder de Deus, ou que acredita que os milagres ficaram no passado da história
da igreja, em histórias míticas contadas exclusivamente para despertar a fé nas
populações daquela época. Mas o que posso afirmar com todas as forças de minhas
entranhas, é que sou experimentado em dores e muitos milagres, que o Senhor
realizou conforme seu propósito diante de meus olhos e dos olhos de muitos irmãos,
e que mantém realizando, sustentando a tudo por seu poder inabalável.
Acontece que entender as obras que tenho realizado apenas como
os milagres, é restringir as obras
apenas a um único e menor pedaço de toda obra realizada. É como ver apenas a
ponta de um iceberg. Na verdade, os milagres operados por Jesus que a tantos
beneficiava diretamente com curas e até ressurreição dos mortos, além da
restituição imediata da saúde e do bem estar, ou ainda da própria vida,
sobretudo resgatava o indivíduo de sua condição marginal, reintroduzindo-o e
reconduzindo-o à sociedade que o marginalizou devido o mal que lhe acometeu. O
milagre tinha, portanto, uma finalidade redentora.
Há algumas semanas estive em uma obra
beneficente, que trata da reabilitação de crianças com deficiência, a partir de
terapias com uso de cavalos; a equinoterapia. Ali, quase duzentas crianças são
tratadas e cuidadas também com outras terapias complementares, além do cuidado
que se tem com seus pais e responsáveis. Num ambiente de carinho e atenção, de
expressa compaixão e dedicação, surgem significativos avanços no tratamento
daquelas crianças que, sem aquele projeto, estariam mantidas reféns de suas
limitações, dependendo do despreparo de seus próximos, e do descaso da
sociedade que os mantém à margem.
Observando ali aquelas crianças com
variados graus de necessidades especiais, por um instante pensei comigo mesmo: Tivéssemos fé do tamanho de um grão de
mostarda, oraríamos por essas crianças e elas todas ficariam curadas de uma só
vez; faríamos milagres... E então fui interrompido por uma voz interior,
inquestionavelmente audível em tom desafiador, que me interpelou: E não é tudo isso aqui um milagre? E me
coloquei a meditar naquela advertência.
Tudo considerado, não tive dúvidas de
que estava diante de um impressionante milagre produzido pelo amor. Crianças
carentes sendo cuidadas com extremo carinho por profissionais que se devotam além
de suas remunerações. Tempo de vida doado por outros que sequer recebem pelo
que fazem. Dinheiro sendo empregado sem qualquer expectativa de retorno, por
pura abnegação e generosidade. Não é esse um milagre ainda maior, sendo que
extrapola o poder indiscutível de Deus, e conta com o amor nos corações daqueles
que se empenham em cuidar do próximo, espontaneamente? Não tenho medo algum de afirmar
que sim.
Ora, ali não só crianças são tratadas
em suas deficiências. Há famílias sendo recuperadas, pais sendo encorajados em
suas responsabilidades, vidas sendo resgatadas em suas autoestimas, fugindo da marginalidade
social iminente e inevitável, dada a crueldade com que a sociedade se coloca
diante do carente, do necessitado, e do deficiente. Não era esse mesmo o papel
final dos milagres operados por Jesus; resgate e restauração?
É claro, pode alguém ainda argumentar
que tal não se trata de milagre, mas apenas de um louvável cumprimento de uma
ordenança bíblica; amai-vos uns aos outros[3].
Acontece que o amor é o motor do
milagre, sendo este uma das expressões daquele. Todo milagre nasce do amor, ao
mesmo tempo que o exercício do amor é por si só um contundente e inequívoco milagre,
pois toda vez que agimos por amor e compaixão, rompemos os grilhões do egoísmo
e da indiferença. Quem ama ressurge da morte do isolamento, fatídico fim de
quem vive exclusivamente para si mesmo e para seus próprios interesses.
...
porque eu vou para o Pai. Essa foi a senha. Eu não estarei mais aqui. Motivados por
ele em amor, podemos agir na recuperação de multidões de filhas de Jairo[4],
de milhões de cegos Bartimeu[5],
de coxos e leprosos mundo a fora. Pelo amor, podemos levar à ressurreição milhões
ou bilhões de almas que, mortas, caminham para um inferno distantes de Deus.
Podemos mesmo realizar obras ainda maiores que as de Jesus, porque pelo
milagre da salvação, e inspirados pelo seu Espírito em amor, somos capazes de
multiplicar o cuidado de Deus no mundo, comunicando à humanidade sua redenção; dando-lhes nós mesmos o que comer.
Que o Espírito de Deus nos abra os
olhos para esses milagres, fazendo-nos persegui-los todos os dias.
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