sexta-feira, 8 de maio de 2020

Cristão. Modo de existir


Por Jânsen Leiros Jr.


"11 Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós.12 Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. Os discípulos, o sal da terra.13 Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. 14 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte;15 nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa.16 Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.
Mateus 5:11-16 - ARA


"23 senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações.24 Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus.
Atos 20:23-24 - ARA

O mundo sempre se apresentou desafiador e extremamente hostil ao cristão. Isso é até muito comum e não tem qualquer novidade nisso. Mas a pós-modernidade vem se demonstrando ainda mais desafiadora, à medida que as sutilezas de suas investidas e as camuflagens de suas armadilhas, se tornam muito parecidas com promoções piedosas de espiritualidade e fé. E em tempos de mundo líquido[1], certezas insofismáveis se diluíram em oportunas relatividades, que colocam em xeque a solidez de nossas convicções.

Acrescenta-se a isso, que com o avanço tecnológico e a acessibilidade oferecida pela internet, temos à disposição um vasto cardápio de alimentos para a alma. Sem muito esforço, podemos ler quase tudo sobre qualquer coisa que se apresente como espiritual. Podemos ouvir diversos pregadores de variadas linhas teológicas, e até mesmo os que não têm linha alguma. É possível ainda, mesmo quando não buscamos absolutamente nada, sermos alcançados por múltiplas possibilidades de conteúdo gospel, que lutam por nosso interesse e adesão.

Ora, em um mundo de ofertas e oportunidades, vence a concorrência por nossa atenção, as promessas de vida de abundâncias, de prosperidade financeira, de alegria perene, de mimos de Deus, e de bençãos sem medida. Tudo adornado com uma aparente piedade, que tenta camuflar a centralidade humana aplicada, que nenhuma outra coisa busca, senão a satisfação dos próprios interesses, das conveniências mais prementes, e até de desejos mais inconfessáveis. Sim, porque afinal, Deus nos honra.

Mas pensem. Quem, faminto, não estenderá a mão ao primeiro pedaço de pão que se lhe oferece? Ou mesmo quem, com fome, diante de um banquete apetitoso, não irá tratar de se saciar, sem nem mesmo perguntar sobre o preparo da comida? Acontece que, ao nos refestelarmos com os alimentos fermentados oferecidos por lobos, acabamos por rejeitar a refeição servida pelo Cordeiro. Afinal, estamos satisfeitos e talvez até de barriga cheia.

Sim. Porque se vivemos em um mundo caótico, onde a dor e a angústia invariavelmente nos assola, como não nos sentirmos muito mais atraídos por aqueles que dizem pare de sofrer, em vez de seguirmos quem nos diz que a nós nos esperam cadeias e tribulações? É certo que escolhemos a vida apelativamente mais feliz, e optamos por dias menos sofridos.

Acontece que esse não é o caminho oferecido por Jesus. Nunca foi! Esse não é o modo de existir dos cristãos. Ao contrário de uma vida de mimos, barganhas e recompensas materiais, a mensagem para nós sempre foi bem outra: No mundo tereis aflições[2], e bem-aventurados sois quando vos perseguirem. A recomendação é que escolhamos a porta estreita e o caminho apertado[3], e ainda que peguemos cada qual a sua cruz[4] e o sigamos... para a morte.

No sermão da montanha, não é sem razão que a declaração de que devemos ser sal e luz está na sequência das perseguições e das injúrias. Não podemos fugir do que somos, para escaparmos das consequências. Não podemos perder nossas características que nos distinguem, ou mesmo nos escondermos para evitar sermos vistos. É nosso dever salgar e iluminar, conservar e apontar o caminho. Denunciar e anunciar - papel primordial de profetas. Somos chamados a testemunhar, ainda que por tal testemunho nos seja dificultada a vida, como foi a muitos no passado e ainda o é, a cristãos espalhados pela África, Oriente Médio e Ásia, sem contar as perseguições nossa de cada dia.

Qual é o sentido de nossa existência como Igreja? E qual o propósito da nossa comissão, se não testemunhar com confiança, ousadia e coragem? Do contrário, poderia tudo ficar como estava antes da cruz. O mundo longe de Deus, e todos nós ocupados com nossas vidas fugazes, atrelados a instituições religiosas, e entregues à satisfação de nossas consciências e à vaidade humana.

Se como afirmou o apóstolo João, Deus é amor[5], tal amor se traduziu em entrega doadora e incondicional. Logo concluímos que Deus é doador, e importa que seus adoradores o adorem em espírito de doação. Assim, minha existência não pode ter outro sentido, senão o da plena e desmedida doação, de entrega efetiva, e de empenho na tarefa de ser sal e luz. Custe o que custar. Aliás, como diria Davi, não ofereçamos a Deus aquilo que não nos custe[6], ainda que nos custe a vida.

Se esperamos em Deus apenas para essa vida, nos diria o apóstolo Paulo, somos os mais miseráveis dos homens[7]. Mas para além disso ele mesmo também diria que em nada devemos ter a vida por preciosa, porque, na verdade, o viver é Cristo e morrer é lucro[8].

               Portanto, não podemos ser ociosos no trabalho do Reino. O sentido de existir do cristão é trabalhar em testemunho. É denunciar o pecado de se dar as costas a Deus, e anunciar o seu perdão em Cristo. Enquanto é dia. A noite vem, quando ninguém poderá trabalhar[9]. Enquanto há em nós fôlego de vida e disposição para o serviço. Pois logo a noite de nossas existências chegará, e nada mais haverá para fazer. E o que duramente acumulamos em nossos celeiros, para o quê servirá?


[1] Expressão cunhada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que tratava das diluições das sólidas e comunitárias visões de mundo, em favor de um pensamento individual e conveniente desse mesmo mundo.
[2]  João 16:33
[3]  Mateus 7:14
[4]  Lucas 9:23-24
[5]  1 João 4:8
[6]  2 Samuel 24:24
[7]  1 Coríntios 15:19
[8]  Filipenses 1:21
[9]  João 9:4

2 comentários:

  1. Caro amigo, que o Senhor continue a sustentar sua vida e Ministério. Sim, fomos chamados para ser "testemunhas" e isso não significa ficar numa zona de conforto.

    ResponderExcluir
  2. Agradeço pelo carinho e incentivo, querido, tanto quanto por suas orações...

    ResponderExcluir

Detesto falar sozinho. Dê sua opinião. Puxe uma cadeira, fale o que pensa e vamos conversar...

Powered By Blogger