quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Quem disse que seria fácil?

Por Jânsen Leiros Jr.


"Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado."
Romanos 5:1-5 - RA
        
Venho acompanhando com enorme apreensão a disseminada ideologia do sofrimento zero, que promete uma vida terrena intocável e distante, das dificuldades e apreensões que naturalmente atingem o ser humano ao longo de sua vida.

Diferentemente do que apregoam tendenciosamente algumas correntes ditas evangélicas, tal ideologia se confronta com a própria mensagem de Jesus aos seus discípulos pouco antes de sua prisão; no mundo tereis aflições. Ora, se o próprio Jesus se ocupou em alertar seus discípulos sobre essa condição inevitável em que a vida os envolveria, que mágica pretensamente resultante de algum exercício espiritual, nos protegeria das tribulações da vida?

Com o intuito de atrair seguidores, os profetas da vida próspera envolvem as multidões em um maniqueísmo de lógica profana do toma lá dá cá. “Se eu fizer isso, logo isso não acontecerá comigo.”. Essa lógica diabólica de recompensas em série, acaba por causar neurose e culpa, nos mais sinceros e devotados seguidores desses falsos profetas.

No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo. Jesus não diz que a vida será fácil. Antes afirma as aflições e convida tende bom ânimo. Isso é um convite à confiança pela convicção. Á esperança de que Ele passou por aflições e venceu, venceremos nós também.

Já o apóstolo Paulo aprofunda a análise da tribulação, e lhe dá um sentido existencial em nossa vida; a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ele tinha sob perspectiva que o crente experimentado estaria preparado para toda sorte de circunstância que precisasse viver. E esse é o oportuno e final sentido da tribulação. A experimentação, o amadurecimento espiritual que nos leva a deixar a condição de meninos, e entrarmos na fase adulta da fé cristã.

"O mundo inteiro jaz no Maligno" (1 Jo. 5:19), mas "não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal" (Jo. 17:15). Esse é o exercício da fé em que devemos gastar nossos dias, sem murmurar, mas confiantes de que sairemos do vale da sombra da morte, sempre melhores e mais preparados do que entramos.

Que Deus nos conceda ânimo firme e constante, diante das aflições pela vida a fora.


domingo, 17 de agosto de 2014

X Como gado tangido




...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.
João 8:32



Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade?
João 18:38


Desde o anúncio da trágica morte do candidato à presidência da república Eduardo Campos, que as notícias sobre a apuração das causas do acidente que vitimou todos que estavam naquela aeronave, vêm assustando pelas controvérsias e circunstâncias que indicam, mais uma vez, que nada será efetivamente comprovado, ampliando a lista de casos não totalmente esclarecidos na história de nosso país.

O pior nesses cenários, é que todas essas idas e vindas das informações oficiais e oficiosas, parecem atender propositadamente a uma intenção sórdida de manter a verdade sempre encoberta, tornando-nos incapazes de tomar posição diante dos fatos e suas causas. Seria a velha atitude manipuladora das massas, sustentada na falácia de que “o povo não está preparado para a verdade”? A quem interessou historicamente e a quem interessa hoje tal manipulação?

Vivemos a era da informação. Mas com a popularização das mídias e o acesso a elas e a capacidade de divulgação que todo o individuo tem nas mãos, também vivemos a era da contra-informação. E esse emaranhado de noticias que correm para todas as direções e sentidos, nos causa, na verdade, enorme sensação de desinformação. Basta uma parada para o cafezinho, que logo percebemos que diversas pessoas têm informações as mais variadas, impedindo-nos sempre de concluir sobre a verdade de qualquer fato e circunstâncias.

Quando tudo pode ser verdade, nada é verdade. E cada cidadão acaba por criar sua própria versão dos fatos, das circunstâncias e das intenções de todos os envolvidos. Assim, os diferentes e variados grupos ideológicos, políticos e até religiosos esculpem suas versões conforme seus interesses e conveniências. Nessa briga pela crença e aderência da maioria, vence não a verdade, mas a versão que melhor convencer e atender o imaginário coletivo. Desse modo, o que parece ser superará o que realmente é.

Por tudo isso é que venho insistindo, cada vez com maior convicção, de que não adianta e nem nos levará a nada, a discussão política agressiva e raivosa que venho assistindo em diversos posts no facebook e em tantas outras mídias. Desconfio até, que quanto maior a veemência e a inflexibilidade das posições defendidas, maior o grau de manipulação a que foram submetidos os envolvidos nesses debates.

Obviamente não defendo a falta de posição. Pelo contrário. É preciso sempre tomar partido de uma ou outra idéia e buscar a convicção daquilo em que se acredita. Mas se a verdade absoluta não é propriedade de ninguém, sobre qualquer fato ou circunstância, precisaremos respeitar sempre a posição convicta do outro, que acreditou naquilo que lhe pareceu mais crível. Nesse meio tempo, as autoridades competentes bem poderiam nos ajudar, apurando com imparcialidade e empenho, a verdade que no fundo todos buscamos. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

É o Cofre mais que o Tesouro?

Por Jânsen Leiros Jr.

Revisado e ampliado em 27/05/2024

 "Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração."

Mateus 6:19-21

 

Um dos registros mais edificantes do ministério de Jesus é o conhecido Sermão da Montanha[1]. Entre outros aspectos, esse sermão resume a proposta de uma vida totalmente outra que Jesus apresentou aos seus discípulos e a todos que o ouviam. Muitas vezes contrapondo costumes sociais e religiosos até então aceitos, ele propõem uma atitude radicalmente contrária, mudando o foco do pensamento. Do eu para o nós, do meu para o nosso, e do singular para o plural.

É nesse contexto de inversão da lógica da atitude humana, que Jesus propõe a substituição do lugar onde se guardar o “tesouro” que acumulamos por toda a via. Portanto a atenção aqui não é o que eu guardo, mas sim onde eu guardo. A atenção está não no tesouro, mas no cofre, ainda que o local onde depositar o tesouro vá, inevitavelmente, influenciar na pertinência do que será relevante entesourar.

Tesouro, qualquer que seja o contexto, é tudo o que eu acumulo. E entesourar sempre foi um costume muito comum na sociedade hebraica. Acostumados desde sempre a bruscas variações das condições de sobrevivência em suas terras, o povo hebreu desenvolveu o costume de guardar uma boa parte de tudo o que produzia ou tinha acesso, para eventuais períodos de escassez[2]. E era comum que utilizasse menos do que o necessário para viver, para que entesourasse uma parte cada vez maior. A prática prudente e previdente, no entanto, por vezes era substituída por uma inquietação exacerbada, que promovia a usura e a ganância. E nesse contexto de deturpação da gestão responsável dos recursos, a preocupação voltava-se para o bem-estar pessoal ou no máximo de seus familiares diretos e próximos. Na sofreguidão de garantir um futuro próspero e seguro a qualquer custo, era comum encontrar quem agisse com mesquinhes e avareza[3]. Mas é claro, tais distorções ocorrem em qualquer sociedade ou em qualquer grupo étnico, não sendo um comportamento exclusivo ou definidor de caráter dos hebreus.

O cofre, portanto, longe de ser um objeto ou um local, é antes uma atitude. E não estamos falando aqui de ganância, avareza ou mesquinhes tão somente. Isso seria óbvio demais, e plenamente rejeitável pela sociedade daquela época. Jesus não condenava aqui a vontade de ter mais, mas sim a inquietação por garantir ter quando necessário ou sempre desejado. Condenava a atitude ensimesmada de tentar ansiosamente se garantir pelas próprias mãos. Esse cofre na terra é frágil. Sujeito a roubo, à deterioração e à desvalorização. Pior! Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e o que tens preparado (entesourado em teus celeiros, em teus cofres na terra) para quem será?[4] O cofre na terra será sempre inseguro e incerto. E o tesouro que ali estiver será fruto da inversão de prioridade sobre o que realmente importa, e da falta de confiança em Deus; não andei ansiosos por coisa alguma[5].

O tesouro guardado no céu, por sua vez, não pode ser roubado e nem sofrerá qualquer dano. Note, contudo, que não há qualquer mudança no tesouro. Não há juízo de valor sobre o que efetivamente se acumula. Apenas o local onde o tesouro é guardado se altera. Ora, se o tesouro guardado no céu está em um cofre totalmente outro que o da terra, o que eu acumulo no céu, seja lá o que eu esteja entesourando, será guardado com confiança e generosidade, com descanso e boa vontade, e plenamente disponível para uso no Reino, para alimento e cuidado com o próximo. O tesouro no céu não me pertence. E não é resultado de minha ansiedade e inquietação pela vida. É, na verdade, fruto de minha confiança na providência, cuidado e amor de Deus para com todos. Inclusive comigo mesmo.

Por isso a afirmação final de Jesus onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. A vida pulsa conforme as emoções e não ao sabor da razão. As atitudes do coração precisam e devem acumular tesouro no cofre do céu. O descanso no cuidado de Deus que promove generosidade e desprendimento, é o desejado refrigério da alma e o conforto apaziguador do coração.



[1] Evangelho de Mateus capítulos 5 a 7; Lucas 6:20-49

[2] A combinação de fatores geográficos, históricos, sociais e religiosos moldou a prática hebraica de armazenar recursos. Essa prudência e previdência eram essenciais para a sobrevivência em um ambiente frequentemente inconstante e hostil. Além disso, essas práticas foram integradas na tradição e nos ensinamentos religiosos, reforçando a importância de uma gestão sábia dos recursos enquanto se confia na provisão divina.

Condições Geográficas e Climáticas

1.       Clima e Agricultura: A região da Palestina, onde o povo hebreu vivia, tem um clima mediterrâneo com verões quentes e secos e invernos suaves e chuvosos. A agricultura dependia fortemente das chuvas sazonais, e qualquer variação climática poderia causar escassez de alimentos.

2.       Secas e Fomes: A história bíblica registra várias ocasiões de seca e fome que afetaram a sobrevivência do povo (Gênesis 41:54-57; Rute 1:1). Esses eventos ensinaram os hebreus a serem previdentes e a armazenarem recursos durante períodos de abundância.

Contexto Histórico e Social

3.       Invasões e Conflitos: O território hebreu era frequentemente invadido por nações vizinhas, resultando em destruição de colheitas e recursos. Os hebreus aprenderam a armazenar alimentos e outros bens para sobreviverem durante e após esses conflitos (Juízes 6:3-4).

4.       Peregrinações e Deslocamentos: Durante a história bíblica, os hebreus experimentaram períodos de nomadismo e peregrinação, como a jornada pelo deserto após o êxodo do Egito (Êxodo 16). A necessidade de carregar e armazenar provisões durante essas jornadas reforçou o hábito de guardar recursos.

Práticas Religiosas e Culturais

5.       Legislação Mosaica: As leis de Moisés incluíam instruções sobre a sabática e o ano de jubileu, onde a terra deveria descansar e as dívidas serem perdoadas (Levítico 25). Isso incentivava uma gestão prudente dos recursos para garantir a sobrevivência durante esses períodos.

6.       Coleta e Armazenamento de Maná: No deserto, Deus forneceu maná diariamente e instruiu os hebreus a coletarem apenas o necessário para cada dia, exceto na véspera do sábado, quando deveriam armazenar para dois dias (Êxodo 16:4-5, 22-26). Essa prática ensinou a importância de confiar na provisão divina enquanto ainda mantinham a responsabilidade de gerenciar recursos adequadamente.

Influência na Mentalidade Coletiva

7.       Parábolas e Ensinos: Os ensinos de Jesus frequentemente utilizavam metáforas agrícolas e econômicas que ressoavam com a prática de guardar e gerenciar recursos. A parábola dos talentos (Mateus 25:14-30) e a advertência contra a avareza (Lucas 12:16-21) refletem essa mentalidade.

[3] A percepção do povo judeu como avarento e mesquinho é um estereótipo prejudicial que resulta de uma longa história de preconceito, exclusão social, crises econômicas e propaganda antissemítica. É crucial reconhecer que esses estereótipos não refletem a realidade e que os judeus, como qualquer outro grupo, são diversos e complexos. Combater esses preconceitos exige educação, diálogo intercultural e um compromisso com a justiça e a igualdade.

[4] Lucas 12:20

[5] Filipenses 4:6

Powered By Blogger