Por Jânsen Leiros Jr.
“⁵ Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo
Jesus, ⁶ pois ele, subsistindo em
forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; ⁷ antes, a si mesmo se
esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e,
reconhecido em figura humana, ⁸ a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e
morte de cruz.”
Filipenses 2:5-8
Que
Jesus foi morto em uma cruz, portanto, não é segredo pra ninguém, e poucos são
os contestadores desse evento que ultrapassa as paredes da crença religiosa, e
se traduz em pinturas, esculturas e diversas outras expressões artísticas e
culturais mundo afora há mais ou menos dois mil anos.
O
que não é muito comum, e desde tempos idos, é a cruz tomar o centro da pregação
da salvação proclamada pelas igrejas, no Brasil e no mundo. Poderíamos atribuir
isso às novidades culturais da pós-modernidade, mas estaríamos escondendo uma
realidade já denunciada no Novo Testamento, e que preocupava demasiadamente o
apóstolo Paulo, por exemplo, como se pode notar em alguns textos bíblicos[2].
Não
que sobre a crucificação como fato histórico paire qualquer dúvida plausível,
uma vez que sustentado, inclusive, por documentos não religiosos[3].
Mas grande é o número daqueles que entendem a crucificação como um martírio
consequente, causado pelos assim considerados posicionamentos políticos e
religiosos assumidos por Jesus, e não como um sacrifício espontâneo, em que o
Cristo de Deus se ofereceu como Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Considerado
como mártir, e ainda como um homem cuja mensagem de amor e paz estava muito à
frente da sociedade de seu tempo, Jesus tem sua cruz considerada como um final
inevitável para quem contrariou os interesses dos dominadores da época, ou
mesmo dos pretenciosos rebeldes, que buscavam um líder que comandasse alguma
insurgência contra o Império Romano[4].
As
distorções sobre o significado da cruz na história da salvação, no entanto, não
ficam do lado de fora, nem mesmo dos muros do próprio cristianismo, ou das
mentes de seus dedicados fiéis. Infelizmente. E não foi por falta de empenho de
quem, logo cedo, percebeu que tal descaminho poderia acontecer em algumas
comunidades cristãs ainda no primeiro século.
É
importante ressaltar a essa altura, que ao enfatizarmos a cruz como mensagem
central do evangelho, não o estamos fazendo com a finalidade de sacraliza-la
como objeto primordial da cristandade. Jamais. Em vez disso, a ideia é
posicioná-la como instante de realização do sacrifício vicário de Jesus em
nosso lugar. Como ápice de seu propósito redentor. Lugar de expiação dos nossos
pecados[5].
Digamos
que a sentença de morte para o crime pelo qual Jesus foi condenado, em vez de
crucificação fosse o enforcamento. Será que o texto do apóstolo Paulo não teria
sido porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este enforcado?
Certamente sim. E por que? Simplesmente porque Paulo não está se referindo ao
modo pelo qual Jesus foi morto, mas sim ao fato de ter se entregado à morte em
nosso lugar. Espontaneamente, e resoluto, até a totalidade de seu sacrifício.
Mas por qual razão a cruz chamava tanto a atenção do apóstolo, a ponto de
fazê-lo trocar qualquer argumento humano convincente, pela aparente vergonha da
cruz?
Naqueles
tempos, e desculpem dizer mas será necessário para melhor compreensão do
argumento, além da crucificação, alguns outros métodos de execução eram
passíveis de uso. Pessoas morriam pela espada, perfuradas por flechas e lanças,
rompidas ao meio por métodos que variavam desde serem cruelmente cerradas, até
puxadas pelos membros por juntas de cavalos em direções contrárias, e ainda atiradas
de um penhasco ou enforcadas, como adiantamos acima. Todas execuções relativamente
rápidas e diretas, que variavam em crueldade, mas que davam ao executado pouca
ou nenhuma chance de resistir à morte, ou ao menos prolongar seus instantes
finais.
Já
a crucificação, como método de execução, tinha possibilidades múltiplas. A
primeira e mais interessada ao Império, era o seu caráter didático, por
incrível que pareça. Havia uma exposição imensa do executado, desde os momentos
que antecediam à sua execução. Já pendurado na cruz, os motivos de sua condenação
eram declarados ao público, e por um tempo razoavelmente longo, a execução
ficava à vista das pessoas, que iam, segundo entendiam, sendo ensinadas a não
cometerem crimes que as levassem a semelhante desfecho. Mas também havia um
mórbido pensamento velado de que, pendurado na cruz, o executado teria algum
tempo de pensar no fez, e arrepender-se do mal cometido, o que era utilizado
como uma espécie de minimização da crueldade daquela pena de morte.
Em
seu livro "A Última Tentação de Cristo" o renomado escritor grego
Nikos Kazantzakis[7],
retratou a vida de Jesus Cristo de uma maneira ficcional, claro, explorando
questões existenciais e espirituais bastante relevantes, sobre os momentos
vividos pelo Senhor na cruz. Segundo o escritor, e o que me parece extremamente
plausível, por todo o tempo pendurado na cruz, Jesus foi tentado, pela dor e
agonia que experimentava, a descer dali, estancando repentinamente o plano de
salvação da humanidade, e cessando toda a imensa aflição que lhe acometia.
Na prática, a suposição romanceada de Kazantzakis, ressaltou que, na cruz, um importante traço de espontaneidade e determinação de propósito foi revelado por Jesus. Não há uma fatalidade incidental em sua morte “e morte de cruz”. Antes, seu sacrifício é uma escolha dele e de Deus. Não foi um acaso ou muito menos uma lamentável imponderável infelicidade. Ele quis e efetivamente morreu pela humanidade. Ainda que doído, e doído até o fim. Tudo isso deixando evidente, que seu amor por nós foi além do limite da agonia e do interesse pessoal pelo alívio e pela continuidade da própria vida. Ele poderia ter pedido ao Pai para tirá-lo dali. Poderia ter desistido do processo que já o vinha angustiando como no Getsêmani. Em vez disso, e apesar da sensação de desamparo, preferiu dar-se por nós, dando tudo por “consumado”, e entregando o espirito nas mãos de Deus. Uma declaração pra lá de poderosa, do imenso e incondicional amor de Deus por você e por mim.
[1] A
Sexta-feira Santa, que marca a crucificação de Jesus Cristo, é uma tradição
cristã que remonta aos primeiros séculos do Cristianismo. Sua comemoração foi
instituída pela Igreja Católica como parte da Semana Santa, que culmina na
celebração da Páscoa. A data específica da instituição da Sexta-feira Santa
como feriado nacional varia de país para país.
No Brasil, a Sexta-feira Santa é reconhecida como
feriado nacional devido à influência do Cristianismo, predominantemente
católico, na cultura do país.
[2] 1 Coríntios
1:18-25; Gálatas 6:11-14; Hebreus 12:2
[3] Existem
vários textos e documentos históricos não religiosos que mencionam a
crucificação de Jesus como um evento histórico. Aqui estão alguns exemplos:
Flávio Josefo: Um historiador judeu do primeiro
século, em sua obra "Antiguidades Judaicas", menciona Jesus e sua
crucificação, embora algumas partes tenham sido questionadas por estudiosos
quanto à autenticidade.
Tácito: Um historiador romano do primeiro e segundo
séculos, em suas "Anais", faz referência à crucificação de Jesus sob
o reinado de Tibério, durante o governo de Pôncio Pilatos.
Plínio, o Jovem: Um escritor e administrador romano do primeiro e segundo séculos, em suas cartas ao imperador Trajano, menciona os seguidores de Jesus e seus costumes, indicando a existência de Jesus e sua crucificação.
Luciano de Samósata: Um escritor e satírico grego do
segundo século, em sua obra "A Morte de Peregrino", faz menção a Jesus
e sua crucificação.
Esses são apenas alguns exemplos de fontes não
religiosas que corroboram a crucificação de Jesus como um evento histórico.
Esses escritos fornecem evidências de que a crucificação de Jesus era conhecida
e discutida por historiadores e escritores contemporâneos, independentemente de
suas crenças religiosas.
Perspectiva Judaica: Do ponto de vista judaico, a
crucificação de Jesus pode ser vista como resultado de sua oposição às
autoridades religiosas judaicas da época e às tensões políticas com o governo
romano. Jesus foi considerado uma ameaça ao status quo religioso e político,
levando à sua condenação à morte.
Perspectiva Secular: Alguns filósofos e historiadores
seculares podem interpretar a crucificação de Jesus como um evento político em
vez de um evento divino. Eles podem ver Jesus como um líder religioso e social
que desafiou as estruturas de poder estabelecidas e foi executado como
resultado de sua contestação política.
Perspectiva Filosófica: Certos filósofos podem
analisar a crucificação de Jesus como um exemplo de conflito entre o indivíduo
e o sistema estabelecido. Eles podem ver Jesus como um mártir que defendeu seus
princípios éticos e morais, mesmo que isso o levasse à morte nas mãos das
autoridades.
Perspectiva Religiosa Não Cristã: Em algumas tradições
religiosas não cristãs, a crucificação de Jesus pode ser vista como um evento
histórico sem significado divino. Ele pode ser considerado apenas como um líder
religioso que encontrou oposição das autoridades e foi executado como resultado
de sua pregação e atividades.
[5] Efésios 2:16;
Colossenses 1:20-22
[6] É difícil
fornecer um número exato, pois os registros históricos são limitados e muitos
casos podem não ter sido documentados. No entanto, a crucificação era uma forma
de punição comum no Império Romano, especialmente para criminosos considerados
ameaças à ordem pública, como rebeldes, escravos e criminosos violentos.
Durante o período em que a prática foi utilizada, milhares de pessoas foram
crucificadas, incluindo judeus e pessoas de diversas outras nacionalidades. O
número exato varia de acordo com diferentes estimativas e períodos históricos,
mas é razoável afirmar que um grande número de pessoas foi submetido a essa
forma brutal de execução durante o domínio romano.
[7] "A
Última Tentação de Cristo" foi publicado em 1955. Já o filme, homônimo, foi
lançado em 1988 e dirigido pelo renomado cineasta Martin Scorsese. Kazantzakis
também é conhecido por outras obras influentes, como "Zorba, o Grego",
que também foi adaptado para o cinema e 1964 e "Alexis Zorba".