Por Jânsen Leiros Jr.
"A ressurreição não é uma recompensa pela obediência de
Cristo, mas a confirmação de que Deus aceitou o sacrifício de Cristo como
suficiente. É o 'amém' de Deus ao 'está consumado' de Jesus."
—
John Stott[1],
A Cruz de Cristo
—
Karl Barth[2],
A Dogmática Eclesiástica, Vol. IV/1[3]
—
Dietrich Bonhoeffer, Ética
—
N. T. Wright[4],
A Ressurreição do Filho de Deus
—
Santo Agostinho[5],
Sermões sobre a Páscoa
O
tema da ressurreição de Jesus e sua relação com a obediência ao Pai desperta
questões essenciais na teologia cristã, especialmente para aqueles que buscam
compreender o significado mais profundo desse evento central. Em uma reflexão
destinada à nossa turma de teologia, é fundamental explorar como a obediência
de Cristo se insere no plano divino de salvação e de que forma a ressurreição
transcende uma simples lógica de causa e efeito. Este texto visa esclarecer
essa conexão, destacando não apenas a fidelidade de Jesus ao Pai, mas também a
soberania e a justiça divina manifestas na ressurreição, aspectos vitais para
uma compreensão completa do mistério redentor.
A
ressurreição de Jesus Cristo é um evento central na teologia cristã, e a
relação entre sua obediência ao Pai e sua ressurreição tem sido um tema
discutido ao longo da história da Igreja. No entanto, ao refletirmos sobre a
importância teológica dessa relação, precisamos diferenciar dois aspectos
cruciais: a obediência de Jesus como parte do plano de salvação e a
ressurreição como um ato soberano de Deus.
A
Obediência de Jesus como Parte do Plano de Salvação
De
acordo com o entendimento teológico tradicional, a obediência de Jesus ao Pai
não foi uma condição direta para a ressurreição, mas sim uma parte integral do
plano de salvação estabelecido por Deus. Jesus foi obediente até a morte, e uma
morte cruel na cruz (Filipenses 2:8). Essa obediência foi necessária para que o
plano de redenção fosse cumprido, cumprindo a justiça de Deus e permitindo o
perdão dos pecados para a humanidade.
É
importante destacar que essa obediência foi um ato voluntário e consciente.
Cristo, sendo plenamente Deus e plenamente homem, escolheu submeter-se ao plano
divino (João 10:18). Sua decisão de obedecer reflete o compromisso com a missão
redentora do Pai, não como um mero requisito, mas como expressão do amor e
fidelidade perfeitos.
Como
afirmado em Romanos 3:25-26[6], a
justiça de Deus foi demonstrada na obra de Cristo, que, por meio da sua morte e
ressurreição, possibilitou a reconciliação do homem com Deus. Portanto, a
obediência de Jesus se manifestou como um ato de amor e fidelidade ao Pai, sem
o qual a obra de salvação não poderia ser completada.
Além
disso, a ressurreição pode ser vista como uma validação dessa obediência. Ao
ressuscitar Jesus, Deus confirmou a sua missão e mensagem (Atos 2:22-24),
demonstrou sua aprovação à obediência de Cristo (Hebreus 5:7-9[7]) e
estabeleceu a autoridade e o poder de Jesus como Senhor e Salvador (Mateus
28:18).
Essa
relação entre obediência e salvação tem raízes na promessa do Antigo Testamento
(Isaías 53:11-12[8]). O
servo sofredor suportaria as consequências do pecado humano, cumprindo a
justiça divina. A ressurreição de Cristo, portanto, é a confirmação dessa
promessa cumprida, um selo divino sobre a obra perfeita realizada na cruz.
A
Obediência de Jesus Não Como Condição, Mas Como Consequência de Propósito
Contudo,
é importante entender que, embora a obediência de Jesus tenha sido vital para
cumprir o plano de salvação, a ressurreição não pode ser considerada como um
prêmio ou recompensa por sua obediência. A ideia de que "por sua
obediência, Jesus foi ressuscitado" sugere uma relação condicional que não
reflete plenamente a soberania de Deus na obra da redenção.
Como N.
T. Wright argumenta, a ressurreição não é apenas um resultado, mas o início de
uma nova era. Ela representa o ponto de virada na história, em que a vitória de
Deus sobre o pecado e a morte é proclamada ao mundo.
A
ressurreição não foi algo que Deus fez porque Jesus foi obediente, mas foi,
sim, a ação divina de Deus em Cristo, para cumprir um propósito maior. A
ressurreição de Jesus não é "a consequência de sua obediência", mas o
cumprimento do plano de salvação de Deus, que Jesus obedientemente aceitou
cumprir. Portanto, dizer que Jesus ressuscitou "por causa" de sua
obediência implica em uma visão errada da graça divina e da ação soberana de
Deus em Cristo.
Como
argumentado na reflexão teológica posterior, a ressurreição de Jesus é o
resultado da ação divina que justifica o ser humano diante de Deus, e não um
prêmio conquistado por mérito de Jesus. A salvação e a ressurreição para a vida
eterna não são devido aos méritos ou ações humanas, mas pelo sacrifício de
Cristo. Como diz em Efésios 2:8-9[9],
"pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus; não de obras, para que ninguém se glorie."
A
soberania de Deus, aliás, se manifesta não apenas na ressurreição de Cristo,
mas também no envio do Espírito Santo. Como Jesus prometeu (João 14:16), o
Espírito capacitaria a Igreja a continuar a missão redentora. Essa continuidade
mostra que a ressurreição transcende um evento histórico; é o fundamento da
vida cristã e da esperança escatológica.
A
Justiça Divina: Ação de Reconciliação[10]
Outro
aspecto fundamental a ser entendido aqui é a natureza da justiça de Deus,
mencionada em textos como Romanos 3:25-26. A justiça divina não pode ser
entendida como a justiça humana, que envolve a ideia de retribuição, em que
acertos resultam em recompensas e erros em punições. A justiça de Deus, na
realidade, é uma ação de reconciliação, onde Deus, por meio de Cristo,
justifica o ser humano, eliminando a separação entre o homem e o Pai. A palavra
hebraica "justiça" carrega o sentido de "trazer de volta à
relação", de "eliminar a distância", de "cruzar o abismo da
separação" entre Deus e os seres humanos.
Esse
conceito de justiça só pôde ser cumprido por Deus, em Cristo, que morreu e
ressuscitou por nós. A ressurreição de Cristo, portanto, não foi um prêmio, mas
o cumprimento da ação redentora de Deus, uma ação que só poderia ser realizada
pelo próprio Deus, em Cristo, que representou a humanidade e cumpriu a lei em
nosso lugar.
Conclusão
A
ressurreição de Jesus não deve ser vista como uma recompensa pela obediência de
Cristo, mas sim como a manifestação do plano divino de salvação. A obediência
de Jesus foi a demonstração de sua fidelidade ao Pai, mas a ressurreição é a
obra soberana de Deus em Cristo para reconciliar a humanidade consigo. Não há
conexão de "se isso, logo aquilo", como em uma lógica de causa e efeito,
mas uma relação mais profunda de graça e reconciliação.
Por
mais que a obediência seja fundamental para o cumprimento do plano de salvação,
a ressurreição não é um "prêmio" pela obediência, mas um ato de Deus
para redimir e restaurar a humanidade à comunhão com Ele. A nossa salvação, e
consequentemente nossa ressurreição, é garantida, não pelos nossos méritos, mas
pelo ato gracioso de Deus em Cristo. Como diz a Escritura: "Porque pela
graça sois salvos, mediante a fé" (Efésios 2:8).
Entender
a ressurreição dessa forma nos convida a refletir sobre nossa própria jornada
de fé. Nossa obediência a Deus não busca recompensas, mas é a resposta amorosa
à graça que nos foi concedida. A verdadeira recompensa não está em méritos
próprios, mas na comunhão restaurada com o Pai, garantida pela ressurreição de
Cristo.
[1]
John Stott, A Cruz de Cristo
Nota: John Stott (1921-2011) foi um teólogo
anglicano britânico e uma das principais figuras do evangelicalismo mundial. Em
seu livro A Cruz de Cristo, ele explora o significado central da cruz no
cristianismo, destacando a obra redentora de Cristo.
[2]
Karl Barth, A Dogmática Eclesiástica, Vol. IV/1
Nota: Karl Barth (1886-1968) foi um teólogo
reformado suíço, conhecido por sua crítica ao liberalismo teológico e por
fundar a teologia dialética. Dogmática Eclesiástica é sua obra
monumental, onde ele sistematiza sua teologia, especialmente sobre a soberania
de Deus e a revelação divina.
[3]
Teologia dialética
Nota: É um movimento teológico do início do
século XX, associado a Karl Barth, que enfatiza o paradoxo entre Deus e o ser
humano, destacando a transcendência divina e a incapacidade humana de alcançar
a salvação por si mesmo.
[4]
N. T. Wright, A Ressurreição do Filho de Deus
Nota: N. T. Wright é um renomado teólogo e
historiador britânico, especialista em Novo Testamento. Em A Ressurreição do
Filho de Deus, ele argumenta pela historicidade da ressurreição de Cristo e
sua importância central na teologia cristã.
[5]
Santo Agostinho, Sermões sobre a Páscoa
Nota: Santo Agostinho (354-430) foi um dos mais
importantes teólogos e filósofos da Igreja. Seus Sermões sobre a Páscoa
abordam temas centrais da fé cristã, como a ressurreição de Cristo e sua
relevância para a redenção humana.
[6]
Justiça de Deus (Romanos 3:25-26)
Nota: No contexto bíblico, a "justiça de
Deus" não se refere apenas à retribuição, mas à sua fidelidade em
restaurar a relação entre Ele e a humanidade. Em Romanos, Paulo destaca que
Deus demonstra sua justiça ao justificar os pecadores por meio do sacrifício de
Cristo.
[7]
Hebreus 5:7-9
Nota: Este texto destaca a humanidade de Jesus,
que aprendeu a obediência por meio do sofrimento. A passagem reforça que,
embora sendo Filho, Ele se submeteu à vontade do Pai, tornando-se a fonte da
salvação eterna.
[8]
Isaías 53:11-12
Nota: Este trecho faz parte da profecia do
"Servo Sofredor", onde Isaías descreve o sofrimento vicário
(substitutivo) do Messias, que carregaria os pecados do povo. A tradição cristã
vê este capítulo como uma prefiguração da paixão e ressurreição de Cristo
[9]
Efésios 2:8-9
Nota: Este versículo é fundamental para a
doutrina da salvação pela graça. Paulo enfatiza que a salvação não é
conquistada por méritos humanos, mas é um dom gratuito de Deus, acessível pela
fé.
[10]
Teologia da reconciliação
Nota: A reconciliação, no contexto teológico,
refere-se à restauração da comunhão entre Deus e a humanidade, rompida pelo
pecado. Cristo, por meio de sua morte e ressurreição, remove essa separação,
cumprindo a justiça divina.