terça-feira, 22 de abril de 2025

Entre o trono e o espelho - quando o louvor se torna autoajuda


 Por Jânsen Leiros Jr.

 O que estamos realmente cantando quando louvamos?

Uma provocação necessária: estaríamos exaltando a Deus — ou apenas massageando nossos egos pilhados de religiosidade?

Bob Kauflin

“O louvor é a prática de valorar Cristo acima de tudo; é o transbordar de um coração cativado pela cruz.”

Matt Redman

“A chave para um louvor verdadeiro são os adoradores, não a performance; é um povo rendido que responde ao Rei.”

John Piper

“Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos n’Ele, e o verdadeiro louvor nasce dessa satisfação, não de auto exaltação.”

John MacArthur

“O louvor não existe para entreter a Deus, mas para nos humilharmos e exaltar o Seu nome em espírito e em verdade.”

O QUE SE TORNOU, AFINAL, O LOUVOR CONTEMPORÂNEO?

Onde antes exaltávamos a majestade de Deus, sua santidade e soberania — cantando a um Deus que é o totalmente outro — hoje parece que temos nos voltado para canções que nos colocam no centro. A liturgia da adoração deu lugar à liturgia da autoafirmação. O trono foi substituído pelo espelho. Este texto é um convite à reflexão sobre essa mudança silenciosa, porém profunda, que transformou parte do louvor em uma espécie de autoajuda espiritualizada — e sobre o urgente retorno ao louvor bíblico: reverente, rendido, centrado em Deus e não em nós.

É verdade: não se trata de rejeitar a beleza melódica ou a qualidade técnica das canções modernas. Existem, sim, louvores profundamente bíblicos e espiritualmente saudáveis sendo compostos hoje. Mas meu incômodo vai além do som. Trata-se do centro. De quem ou do que se tornou o sujeito oculto, ou antes, o sujeito evidente da adoração: nós mesmos.

Muitas das canções mais entoadas atualmente giram em torno de frases como “você tem valor”, “você é precioso”, “Deus vai te exaltar”, “te dar vitória”, “abrir portas”, “curar sua alma ferida”. Tudo verdade, se lido no contexto certo. Mas, isolado, isso se torna a catequese de um hedonismo piedoso — onde o homem se torna o fim último da ação divina. E Deus, um tipo de gênio da lâmpada celestial.

Mas a oferta de Deus, como bem diz o apóstolo Paulo, foi a cruz — “porque a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus” (1 Coríntios 1.18). Ele não ofereceu uma promessa de conforto, mas um chamado ao discipulado — com renúncia, cruz, perseverança: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me” (Lucas 9.23), “Se alguém quiser ser meu discípulo, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mateus 16.24). O Filho amado não veio para nos mimar, mas para nos salvar. E isso nos deveria bastar: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele” (João 3.16-17).

A lógica do Reino é esta: “Se com Ele sofremos, com Ele também seremos glorificados” (Romanos 8.17) — mas a glória só vem depois da cruz.

O louvor que se oferece como alento emocional, mas não conduz ao arrependimento, é um embuste. A música que massageia o ego, mas não leva ao trono de Deus, é apenas entretenimento religioso. E isso é um risco grave. Como nos alertava A. W. Tozer, “o cristianismo moderno se tornou racionalista e centrado no homem, em vez de ser espiritual e centrado em Deus”.

No passado, nossos hinos diziam “Tu és fiel, Senhor”, “Santo, Santo, Santo”, “Grandioso és Tu”, “Te exaltamos, ó Cordeiro”. A gramática da adoração era vertical, sacra, cheia de reverência. Hoje, muitas letras parecem mais janelas de autoajuda que altares de rendição. Onde antes dizíamos “Tu és”, agora dizemos “Eu sou”. Onde se dizia “Te exaltamos”, agora se ouve “eu vencerei”.

E não é que toda música moderna seja má. Deus tem levantado adoradores sinceros nesta geração — compositores e ministros que compreendem que louvor é sacrifício, não agrado, como declara a Escritura: “Por meio de Jesus, ofereçamos a Deus, continuamente, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hebreus 13.15). Mas são minoria. E não podemos confundir exceção com regra.

O louvor bíblico é centrado em Deus e na sua glória. Ele nasce do temor — “Tema toda a terra ao Senhor; temam-no todos os habitantes do mundo” (Salmo 33.8), passa pela gratidão — “Entrem por suas portas com ações de graças e em seus átrios com louvor; deem-lhe graças e bendigam o seu nome” (Salmo 100.4), floresce na confiança — “Ele pôs um novo cântico em minha boca, um hino de louvor ao nosso Deus. Muitos verão isso e temerão, e confiarão no Senhor” (Salmo 40.3), e se consuma na obediência — “Acaso o Senhor tem tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? A obediência é melhor do que o sacrifício” (1 Samuel 15.22). Ele não é um lugar de consolo terapêutico apenas, mas de consagração total. Ele não massageia o coração do homem; ele o oferece, quebrantado, diante do trono — “Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás” (Salmo 51.17).

Precisamos voltar. Voltar ao Deus que não bajula, mas santifica. Que não promete conforto, mas dá propósito. Que nos leva aos desertos não por crueldade, mas por misericórdia — “Lembrem-se de como o Senhor, o seu Deus, os conduziu por todo o caminho no deserto durante estes quarenta anos, para humilhá-los e pô-los à prova, a fim de saber o que estava em seus corações... Ele os humilhou, fazendo-os passar fome e depois os sustentou com maná... para ensinar-lhes que nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca do Senhor” (Deuteronômio 8.2-3). A confiança, como diz Paulo, nasce da perseverança, não da comodidade — “a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança” (Romanos 5.3-4).

Como escreveu Dietrich Bonhoeffer, mártir da fé diante do nazismo: “A graça barata é o inimigo mortal da Igreja. É a graça sem discipulado, sem cruz, sem Jesus Cristo vivo e encarnado.”

Que o nosso louvor, então, não seja barato. Que ele custe nosso orgulho, nossa vontade, nosso centro. E devolva o trono a quem de direito: ao Rei dos reis. 

Um comentário:

  1. Profundo meu querido. É fato que muito não vão gostar de ler, mas vale a pena a reflexão. Parabéns

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