Por Jânsen Leiros Jr.
Seguir Jesus é romper com os sistemas
deste mundo. Uma fé autêntica não se curva — confronta, denuncia e transforma.
“Se o evangelicalismo se torna apenas mais uma
marca política, ele não tem nada diferente a oferecer ao mundo. O evangelho não
é uma plataforma partidária; é uma cruz.” - (Russell Moore, em entrevistas e
artigos publicados pela Christianity Today)
“A igreja americana corre o risco de perder
sua alma, pois muitos pastores estão mais preocupados em atrair multidões do
que em formar discípulos.” - (Eugene Peterson, em entrevistas e no livro “O
Pastor Contemplativo”)
“Mas
vem cá... ser cristão de verdade não é meio perigoso demais hoje em dia?” — foi
o que me perguntou um jovem numa roda de conversa depois de uma palestra. A
pergunta era simples, mas carregava uma inquietação legítima. Não respondi de
imediato. Fiquei com ela na cabeça. Porque, no fundo, ele estava certo em se
espantar. O cristianismo genuíno, quando levado a sério, não cabe nos moldes
prontos que o mundo e o evangelicalismo moderno[1]
oferecem.
A
verdade é que o cristão autêntico nunca foi domesticável. Desde os profetas do
Antigo Testamento até o escândalo da cruz, o chamado de Deus sempre confrontou
sistemas injustos, poderes corrompidos e religiões confortáveis. Seguir Jesus
é, em si, um ato de subversão. Neste texto, vamos falar dessa postura — não
como um conceito distante, mas como um jeito de viver que incomoda, denuncia e
propõe outro caminho. Vamos explorar esse tema teológica, bíblica e
socialmente, resgatando a tradição profética, o exemplo de Jesus e dos
apóstolos, e as tensões vividas por quem ainda ousa caminhar na contramão.
A
Subversão Cristã: Desafiando Sistemas de Poder
Você
já reparou como, às vezes, viver de forma honesta, justa e amorosa parece ser
quase um protesto silencioso? É disso que estamos falando. O cristão subversivo
é aquele que, como Jesus, não se dobra às estruturas de poder do mundo. Em João
18:36, Jesus declara: “O meu Reino não é deste mundo” — e isso não é uma figura
de linguagem devocional, é um posicionamento radical. Ele estava diante de
Pilatos, o representante do império, e não recuou. Sua afirmação rompe com toda
tentativa de conciliação entre o Reino de Deus e os reinos deste mundo.
Para
o cristão, então, a lealdade a esse Reino eterno deve superar qualquer
comprometimento com estruturas políticas, religiosas ou econômicas. E, sejamos
honestos, isso incomoda. Porque o cristão subversivo não vive para ser aceito
pelo sistema, mas para obedecer à lógica do Reino — e essa lógica é quase
sempre o oposto do que o mundo valoriza: enquanto o mundo celebra a força, o
Reino exalta a mansidão; onde o mundo busca lucro, o Reino proclama
generosidade; onde se cultua o ego, o Reino prega o serviço.
Essa
postura não é ingênua nem romântica. É profética. Porque, ao viver os valores
do Reino, o cristão acaba por se tornar uma ameaça real aos mecanismos de
opressão, à manipulação da fé, ao uso indevido do nome de Deus. Ele se torna
como uma pedra no sapato da ordem estabelecida. E isso não é novo.
O
Cristão Subversivo na Tradição Profética
Se
voltarmos às Escrituras, veremos que essa subversão não surgiu no Novo
Testamento. Ela pulsa desde os profetas antigos. Eles não eram apenas vozes do
futuro, eram denúncias vivas do presente. Gente que andava nas praças, nas
portas da cidade, enfrentando reis e sacerdotes corruptos. Veja Amós. Um
simples boiadeiro. Mas sua voz ecoa como um trovão contra os poderosos de
Israel: “Aborrecem na porta ao que repreende, e abominam o que fala com
integridade” (Amós 5:10). Ele grita por justiça como quem tem fogo nos ossos:
“Corra o juízo como as águas, e a justiça como um ribeiro perene” (v. 24).
Jeremias,
ainda jovem, tentou recuar, mas Deus o impediu: “Não digas: Eu sou uma criança;
porque a todos a quem eu te enviar, irás” (Jeremias 1:7). E o que ele teve de
enfrentar? Uma nação inteira afundada na hipocrisia religiosa e alianças
políticas podres. E mesmo assim, proclamou: “Não confiem em palavras enganosas,
dizendo: 'Templo do Senhor, templo do Senhor!'” (Jeremias 7:4). A crítica era
clara: uma religião que justifica injustiça é uma blasfêmia.
João
Batista, já no Novo Testamento, continuou essa linhagem. Vestido de forma
estranha, morando no deserto, comia gafanhotos e mel silvestre — e suas
palavras queimavam como uma tocha: “Raça de víboras! Quem vos ensinou a fugir
da ira futura?” (Mateus 3:7). Confrontou a vida pessoal de Herodes, o
governador, e pagou com a cabeça. Isso é subversão. Isso é coragem profética. O
cristão de hoje, se quiser ser fiel ao evangelho, terá de carregar esse mesmo
espírito.
O
Cristão Subversivo no Mundo Contemporâneo
Hoje,
a subversão cristã não se dá mais diante de impérios romanos ou de tronos
monárquicos. Mas os impérios continuam aí, com outros nomes: sistemas
econômicos predatórios, religiões mercantilizadas, ideologias políticas
idólatras. E, em meio a isso, o cristão que vive o evangelho de forma sincera e
radical aparece como uma voz dissonante.
Pense
bem: num mundo que valoriza a estética acima da ética, o consumo acima da
compaixão e a imagem acima da integridade, viver os valores do Reino é um
escândalo. O cristão subversivo não negocia seus valores por conveniência, não
se cala para manter privilégios, não coopera com sistemas que oprimem — mesmo
que isso custe amigos, posição ou segurança.
E
isso não significa ser beligerante ou reativo. Jesus ensinou: “Bem-aventurados
os pacificadores” (Mateus 5:9). Mas paz, aqui, não é ausência de conflito; é
presença do Reino. O cristão é aquele que leva a paz de Cristo para dentro das
tensões do mundo, não aquele que foge delas. Ele fala quando todos preferem o
silêncio. Ele age quando o comum é cruzar os braços. Ele vive em fidelidade
quando a hipocrisia é moeda corrente.
O
Ódio Produzido pela Subversão Cristã
E
não se engane: essa fidelidade gera reações. “Se o mundo vos odeia, saibam que
me odiou antes de vós” (João 15:18). O próprio Jesus nos advertiu: viver o
evangelho de forma autêntica incomoda, porque expõe, revela, confronta. E o
mundo, em suas estruturas corrompidas, não tolera ser confrontado.
A
história da Igreja é uma galeria de mártires. Homens e mulheres que não abriram
mão de sua convicção, mesmo quando isso lhes custou tudo. Estêvão, o primeiro
mártir, morreu apedrejado por anunciar um Reino que não se dobrava ao templo
nem à tradição. Pedro foi crucificado. Paulo, decapitado. E ao longo dos
séculos, milhares seguiram esse mesmo caminho. Ainda hoje, em muitos lugares do
mundo, há cristãos presos, perseguidos e mortos — não por serem violentos, mas
por serem fiéis demais.
Mas
o mais doloroso é que a perseguição, às vezes, vem de dentro. Da
institucionalização da fé. Da religiosidade que se vende ao sistema. Do
evangelicalismo de mercado que transforma o evangelho em produto e os fiéis em
consumidores. O cristão subversivo se vê, muitas vezes, sozinho — mas nunca
abandonado.
A
Vida do Cristão Subversivo e a Perseguição
Viver
como subversivo do Reino é viver com os olhos na eternidade e os pés no chão. É
entender que esta vida é uma missão e não um palco de conquista pessoal. O
cristão subversivo carrega a cruz — não como símbolo decorativo, mas como
estilo de vida. E cruz não é apenas sofrimento; é entrega, é serviço, é
fidelidade até o fim.
Ele
sabe que o caminho é estreito (Mateus 7:13-14), que o mundo odiará sua luz
(João 3:19-20), mas também sabe que a fidelidade produz fruto, mesmo que
invisível aos olhos. O Reino cresce como fermento na massa (Mateus 13:33),
silenciosamente, mas com poder transformador.
E,
por fim, ele vive com a esperança que sustenta: “Bem-aventurados os perseguidos
por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus” (Mateus 5:10). Essa é
sua certeza, seu consolo, sua glória. Porque, ainda que o mundo o rejeite, ele
é aceito por Aquele que venceu o mundo (João 16:33).
Um
chamado irrecusável
Talvez
você tenha lido tudo até aqui e esteja se perguntando: “Mas então... dá mesmo
para viver assim hoje? Vale a pena?” E eu te digo: não só dá, como é a única
forma verdadeiramente cristã de existir neste mundo. O restante é caricatura,
verniz, religião domesticada — e isso Jesus nunca aprovou. Lembra-se do que Ele
disse aos mornos de Laodiceia? “Porque és morno, e não és quente nem frio,
vomitar-te-ei da minha boca” (Apocalipse 3:16). Forte, não? Mas necessário.
O
tempo da omissão acabou. O tempo da conveniência acabou. O tempo de usar o nome
de Cristo para proteger zonas de conforto ou ideologias humanas está sendo
exposto e derrubado como ídolo frágil. O Espírito de Deus está convocando os
que têm ouvidos para ouvir. E o chamado é claro: ou você se posiciona no Reino,
ou será engolido pelo sistema.
Não
há mais espaço para uma fé que se esconde atrás de versículos fora de contexto.
Não há mais tempo para discursos que não se tornam prática. A cruz não é
enfeite de pescoço. É sentença de morte para o velho eu. É caminho estreito. É
entrega total. Paulo disse: “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20). Isso é mais do que poesia: é
a anatomia da nova vida. E essa nova vida é, por natureza, subversiva.
Se
o seu cristianismo não incomoda o mundo à sua volta, talvez ele não seja o
evangelho de Jesus, mas um simulacro moldado para agradar. E se o Cristo que
você segue nunca confronta nada em você nem ao seu redor, talvez você tenha
domesticado o Leão de Judá em um cordeirinho de pelúcia. Mas Jesus não veio
para afagar consciências. Ele veio para despertá-las.
Então,
pense: que tipo de cristão você tem sido? Um agente de manutenção do status
quo? Ou um discípulo que, como os de Atos 17:6, vira o mundo de cabeça para
baixo? A hora de decidir não é amanhã. É agora. Porque o Reino já chegou. E sua
justiça — aquela que incomoda os poderosos e exalta os humildes — está batendo
à sua porta.
A
mudança é urgente. A exigência é certa. E o chamado é irrecusável.
[1]
O termo “evangelicalismo moderno”, está se referindo, com senso crítico,
a uma vertente do evangelicalismo que, embora se identifique com os princípios
da fé cristã, muitas vezes acaba:
·
Acomodando-se aos padrões culturais
dominantes, buscando aceitação ou relevância social a qualquer custo;
·
Reduzindo o Evangelho a slogans ou fórmulas
de sucesso pessoal, esvaziando seu caráter profético, contracultural e
profundamente ético;
·
Aderindo a estruturas de poder político e
econômico, tornando-se cúmplice de ideologias que contradizem os valores do
Reino de Deus;
·
Negligenciando a centralidade de Cristo
crucificado, substituindo o discipulado pelo triunfalismo ou moralismo;
·
Transformando a fé em produto de mercado
religioso, com culto à performance, à visibilidade e ao crescimento
numérico.
Esse “evangelicalismo
moderno”, portanto, é o que denunciamos como superficial, domesticado e incapaz
de encarnar a radicalidade do seguimento de Jesus — que é, essencialmente,
subversivo, transformador e incompatível com os ídolos deste século.
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