segunda-feira, 29 de setembro de 2014

=> Fé mágica ou a mágica da fé?






"Dificilmente haverá alguma palavra na linguagem religiosa – seja ela erudita ou popular - que tenha sido mais incompreendida, distorcida e mal definida, que a palavra . Ela é um desses termos que primeiro precisam ser curados, antes de poderem curar pessoas. Hoje a palavra causa mais desorientação do que cura."
Paul Tillich em Dinâmica da Fé; 1974 - Ed.Sinodal

Às vezes tenho a impressão nítida de que determinadas afirmações bíblicas, bem como suas circunstâncias históricas e ambiência, são total ou parcialmente desprezadas quando determinados temas são abordados em nossas igrejas. Essas circunstâncias auxiliariam na contextualização de tais afirmações, o que orientaria nossas conclusões e observações sobre aquilo que a Palavra traz para a humanidade nos dias de hoje.

Desprezar ambiência e contexto,portanto, nos abandona em um caminho perigoso de entendimento tendencioso, que atende apenas às conveniências daqueles que não só buscam lucrar com a religiosidade alheia - mercadejam com a palavra como diz Paulo em 2 Coríntios 2:17, mas também distorcem seu conteúdo santo, atendendo a seus próprios interesses, sejam eles de convencimento ou manipulação dos que buscam a Deus na singeleza de seus corações.

Utilizando a retórica de Vinícius de Moraes, os oradores de plantão que me perdoem, mas hermenêutica é fundamental. É impossível admitir o uso do texto bíblico como sustentação dirigida e na maioria das vezes forçada, para tentar dar uma base mínima a conclusões equivocadas sobre qualquer assunto que diga respeito ao Reino de Deus. E é nessa triste realidade de usurpação do texto bíblico, que vimos acompanhando as lideranças criarem espetáculos circenses, dando-lhes o nome de "mover de Deus" e "manifestação da fé".

Ora, tais lideranças estão transformando a fé em atos mágicos, dando-lhes contornos de fatos resultantes de declarações, afirmações com palavras calculadamente ditas, e denotações precisamente manipuladas. Transformam a Bíblia numa espécie de  Livros das Magias dos Judeus e Cristãos. A fé na pratica e no conceito dessa gente, não passa de um forte e determinado otimismo, na vontade de obter essa ou aquela vitória. Nosso povo vem sendo orientado a agir com maniqueísmo e superficialidade, tornando a fé uma crença frívola e rasa em sua conceituação.


"Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem. Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho. Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem."
Hebreus 11:1-3 - RA

A fé não comporta mecanismo de auto-alimentação por adestramento, nem se encaixa em um modelo de repetição, que aceite padronização de expressões que a identifique no cotidiano da vida. Ou seja, não existe uma mecânica da fé do tipo afirmo logo se faz. Nem mesmo existe um padrão para o seu exercício. Fé é uma crença incondicional única, uma convicção, que não depende de circunstâncias existenciais, ou do que podemos ou não declarar. Ela nem mesmo depende de uma ação própria que a possamos revelar ou fortalecer em nós mesmos. A fé nos move por confiança e esperança, ainda que as condições visíveis nos digam o contrário do que esperamos. Sem garantias, senão apenas no amor e fidelidade de Deus. A fé é um ato de abandono de si mesmo diante de Deus em confiança convicta e inegociável. Não existe varinha de condão para a fé, nem Deus se permite ser tentado ou, trocando em miúdos, Deus não se permite ser colocado contra a parede. Ele é soberano. Palavras de ordem e gritos de guerra, portanto, não movem nem jamais moveram a mão de Deus.

Infelizmente não há qualquer fundo de ingenuidade nesse tipo de fé fabricada por conveniências. O que esse emaranhado de falácias e declarações irresponsáveis imaginam criar, é uma espécie de comprometimento de Deus com aquilo que antecipam dizer d'Ele e por Ele, e a prometerem em seu nome. Como se por procuração Lhe assinassem promissórias pelas quais passa a ter responsabilidade de resgatá-las. Tentam colocar o Senhor de todas as coisas em uma saia justa, mediante aquilo que pretender conseguir ou demonstrar aos seus manipulados de estimação. Afinal, Deus é fiel... Ele que se vire para não ter seu nome manchado. É sórdido e nada ingênuo.

A mágica da fé está em esperar contra a esperança. Em nos manter olhando firmes para o Seu Autor e Consumador. Aquele que por sua vontade sustenta todas as coisas, e nos enche de convicção de nosso futuro ao seu lado, aconteça o que acontecer, pois estamos em marcha, como peregrinos em terra estranha. A mágica da fé, nos faz crer que nossa leve e momentânea tribulação, não nos levará a sucumbir, porque somos viajantes e nosso descanso não é aqui. A mágica da fé e não uma fé mágica, nos faz descansar confiadamente em Deus, crendo que sua providência e cuidado nos conduzirão a vida. Nem a ansiedade nem qualquer atalho, jamais operaram a vontade de Deus.

Que o Senhor que conhece todas as intenções do coração, nos sustente em fé e esperança no seu amor, para que a maturidade de nossa crença nos fortaleça diante dos imprevistos e dificuldades da vida, sem mágicas ou poções, mas com a magia das convicções. 

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