“1 E aconteceu que, num determinado
dia, Jesus estava próximo ao lago de Genesaré, e uma multidão o espremia de
todos os lados para ouvir a Palavra de Deus. 2
Ele observou junto à beira do lago dois barcos, deixados ali pelos pescadores,
que havendo desembarcado, cuidavam de lavar suas redes. 3 Então, entrou num dos barcos, o
que pertencia a Simão, e lhe solicitou que o afastasse um pouco da praia. E,
assentando-se, do barco ensinava o povo. 4
Assim que acabou de ministrar, dirigiu-se a Simão e aos demais, e lhes pediu:
“Ide para onde as águas são mais profundas e lançai as vossas redes para a
pesca!” 5
Ao que lhe replicou Simão: “Mestre, tendo trabalhado durante a noite toda, não
pegamos nada. Todavia, confiando em tua Palavra, lançarei as redes. 6 Assim procederam e pegaram
enorme quantidade de peixes, tanto que as redes começaram a se romper. 7 Por esse motivo acenaram aos
seus amigos no outro barco, para que viessem ajudá-los. Eles chegaram e lotaram
ambos os barcos, a ponto de começarem a afundar. 8 Diante de tamanho evento, Simão
se prostrou aos pés de Jesus e declarou: “Afasta-te de mim, Senhor, pois sou
homem pecador!” 9
Porquanto, ele e seus companheiros estavam maravilhados com a pesca que haviam
realizado, 10
assim como de Tiago e João, os filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão.
Todavia, Jesus revela a Simão: “Não tenhas medo; a partir deste momento tu
serás um pescador de vidas humanas”. 11
Então, eles arrastaram seus barcos para a praia, renunciaram a todas as coisas
e seguiram a Jesus."
Lucas 5:1-11 - JFA
Ainda falando sobre discípulos,
discipulados e discipuladores, há duas atitudes ou posturas que considero
extremamente necessárias e indissociáveis do comportamento do discípulo; rendição e obediência. E que palavras podem soar mais impopulares, do que rendição e obediência? Se você torceu o nariz, ou se ajeitou em seu lugar ao
ler as duas palavras, não se sinta mal. Não foi diferente comigo enquanto preparava
esse texto.
Tendo atravessado a infância,
adolescência e boa parte da juventude em meio a ditadura militar instaurada no
país em 1964, obediência e rendição me remetem a tempos difíceis,
de liberdade tolhida, de gente "falando de lado e olhando pro chão",
como diria Chico Buarque em Apesar de
Você. Rendição e obediência conectam em meu pensamento ambiente
de opressão e injustiças, onde as próprias vontades e preferências jamais podem
ser consideradas ou admitidas, sequer para deliberações ou argumentações. Rendição e obediência, num primeiro momento, me fazem sentir o incômodo da
perda dos direitos mais básicos e essenciais da existência humana; ir, vir,
pensar, falar, ter vontade própria...
Pode ser que os mais novos não me
entendam muito bem, mas não tenho dúvida alguma de que aqueles que hoje têm 40
anos ou mais, sabem exatamente do que estou falando. E não falo apenas daqueles
que, engajados, lutaram por liberdade, quer na política, quer em movimentos que
requeriam uma mínima liberdade de expressão, fosse na literatura, na música ou
nas artes em geral. Mesmo o mais pacato e desinformado cidadão, minimamente,
sabia que determinadas coisas não se dizia e nem se fazia em público. Havia
assuntos proibidos até em confessionários e travesseiros. O medo era uma sensação
presente e comum a todos.
Ora, com esse contexto histórico como
pano de fundo, como não se incomodar ao ler ou ouvir rendição e obediência?
Não foi por liberdade que ansiamos todos por tanto tempo? Não foi pelo direito
de agirmos da maneira que quiséssemos e bem entendêssemos que sonhamos noites
intermináveis? Como agora, eu mesmo, viveria sob obediência e rendição
incondicional, quando minhas pretensões sempre me forjaram a uma desobediência
instintiva, e a uma resistência até à
morte? Como é duro escrever; obediência
e rendição.
Lidando com sensações tão interligadas
a estímulos e reações tão íntimas, seria totalmente inócuo cair na tentação de
buscar definições formais para ambas as palavras, porque seus respectivos
significados e sinônimos de muito pouco valeriam no desenvolvimento da suas possibilidades,
na vida de um discípulo de Jesus. Aliás, pelo que experimentei na vida até
aqui, formalidades e definições lógicas, pouca ou nenhuma influência exercem na
verdade das condutas humanas. Servem apenas e exclusivamente, para que modelos
sejam hipocritamente sugeridos e imitados, porém jamais eficazmente vividos por
seus defensores. Deus não se relaciona com personagens. Ou vivemos o que
somos, ou não exercemos relação alguma com Deus.
No acontecimento narrado acima, Pedro
e os demais pescadores voltavam de um trabalho frustrado. Uma noite inteira de
labuta e nada. Experientes que eram em seus ofícios, podemos imaginar a
inquietação de seus corações pela desventura do resultado negativo daquela
noite. Não bastasse isso, ao retornarem de suas tarefas, encontram uma multidão
de gente se acotovelando para ouvir um profeta de quem provavelmente já haviam
ouvido, mas sequer escutado a voz.
Jesus então interrompe Pedro que
lavava suas redes e o pede para afastar-se da margem, para que pudesse
continuar a falar àquelas pessoas. E tendo atendido à solicitação de Jesus,
Pedro, então chamado Simão, não tinha outra opção senão escutar o que aquele
homem falava à multidão. A admiração de Simão não foi pequena. O que e como
Jesus falava, de alguma maneira mexeu com o pescador rude e de temperamento
forte, a ponto de deixá-lo completamente sem ação, ou melhor, reação, diante
daquele mestre. Jesus conquistara sua confiança.
Foi tanto assim, que ele não contra-argumentou
a ordem de Jesus. Despedida a multidão, ele instrui Simão e os demais a que navegassem até às
águas mais profundas, e outra vez lançassem suas redes. Naquele momento, o
pescador experiente, vivido no ofício da pesca tempo o bastante para entender
que naquela noite não seria possível apanhar peixe algum, não se interpôs. Ao
contrário, ele obedeceu à ordem, como quem não tinha outra opção. Como quem estava
diante de alguém a quem não poderia resistir.
Alguns poderiam aqui argumentar que
Pedro não tinha o que perder. Ao contrário, ele viu naquilo uma oportunidade. - Vai que dá certo, poderia ser o
pensamento íntimo de Simão e os demais pescadores. Porém, algumas questões
contam a favor da obediência, como o fato de já terem lavado as redes. O
trabalho havia se encerrado. Eles deviam ainda sentir o desconforto do
insucesso. Além disso, certamente Jesus não inspirara neles qualquer
conhecimento sobre o assunto, pois devia ser flagrante em seu corpo, que ele
não poderia ser pescador ou possuir qualquer habilidade naquele ofício.
Mas há um fator inquestionável no
texto que favorece o entendimento de que alguma coisa os levou a simplesmente
obedecer; Jesus não sugere, mas ordena. Ide
ou vão, não sugere outra forma, senão
a imperativa. Ele deu uma ordem a homens que acabara de conhecer. E por alguma
razão, esses experientes pescadores o obedeceram.
O fim da narrativa é conhecida. A
pesca foi tão espetacularmente produtiva, que as redes se romperam e outro
barco foi chamado para dividir o peso do produto daquela segunda pescaria.
Daquela pescaria, ordenada e obedecida.
O assombro de Pedro foi tamanho, que
diante daquele inesperado e impressionante resultado, certo de que Jesus não
era um homem qualquer, acreditando mesmo que aquilo só poderia ser proveniente
de algum poder superior e distante dele, Pedro pediu a Jesus que se afastasse,
pois ele, Simão, não era digno de que Jesus chegasse perto dele. Pedro então
tem a segunda atitude de submissão; reconhece a flagrante distância entre ele e
aquele homem a quem havia obedecido.
Viemos até aqui nessa narrativa, portanto,
para perguntar: O que teria levado aquele pescador a obedecer a ordem de Jesus?
Que sensação o envolveu, a ponto de não reagir negativamente a uma ordem dada
por um homem que, podia suspeitar, jamais utilizara uma rede de pesca? Por que
ele obedece, não obstante a todos os indícios contrários à possibilidade de
pescarem alguma coisa naquela noite? No meu entendimento, ele rendeu-se a Jesus, enquanto ouvia o que
ele falava à multidão na praia.
Rendição
e obediência. Lembram do que falamos
no início do texto? O mal estar que as palavras rendição e obediência naturalmente
causavam? E por que então no texto acima, não há qualquer desconforto daqueles
que obedeceram, uma vez que a rebeldia à obediência ou rendição impostas por
uma tirania qualquer, também era pano de fundo para aqueles judeus, oprimidos e
subjugados pelo império romano? Creio que o motivador esteja exatamente na
legitimidade demonstrada pelo ordenador.
De alguma forma, Jesus passou a Pedro e a João e Tiago, seus sócios, a
legitimidade de quem tem autoridade para ordenar o que ordenara. - Esse homem não pode estar querendo nos
prejudicar nem brincar conosco,
talvez tenha pensado Pedro. A autoridade demonstrada não combinaria com
qualquer outra possibilidade. Tanto que Pedro responde à ordem "confiando
em tua palavra". O que houve ali então, senão uma rendição por
confiança, e uma obediência por fé?
Ora, então não estamos falando de uma
rendição resignada de quem se vê impotente diante de um transgressor. Não
estamos falando de uma obediência cega, que obedece pelo simples ato de seguir
uma ordem de quem oferece um risco à contra-posição. Em vez disso, estamos
diante de uma rendição originada na confiança. - Meu coração está me dizendo para lançar mais uma vez as redes. Não
posso negar que fiquei inclinado a isso. Devem ter pensado aqueles
pescadores. - Eu confio que deva lançá-las.
Então a confiança levou-os à rendição, e a rendição à obediência. Sensação e atitude.
O mais impressionante da narrativa do
texto acima, porém, vem no final. Não tema, diz Jesus a Pedro por conta de seu
pedido de que ele se afastasse. Tu serás um pescador de vidas humanas. E diz o
texto que eles concluíram aquele trabalho, renunciaram a todas as coisas, e
seguirão Jesus. Ora, que Jesus, apesar de não ser pescador de ofício sabia
pescar estava mais do que provado. Que ele também sabia fisgar gente também
havia fortes suspeitas. Afinal, eles mesmos se sentiam completamente fisgados e
irrevogavelmente presos a ele. Onde está, então, o impressionante?
Eles largaram tudo,
renunciaram tudo para seguirem Jesus. Aquele pescador de homens os encantou de
tal maneira, que nada mais na vida parecia fazer sentido, senão estar junto a
ele, aprender dele, ser ensinado por ele... Ser igual a ele. Eles renunciam a
tudo e o seguem. Se rendem e obedecem. Na confiança de que tudo o que ele
ordenar, será bom, proveitoso e significativo.
Portanto o discípulo precisa confiar
em seu mestre. O mestre precisa inspirar confiança em seu discípulo. Sem
rendição e obediência não há discipulado. Nos rendemos e obedecemos Jesus por
confiança e fé. E sem fé, é impossível
agradar a Deus.
Oie... Seus textos são tão atuais... talvez por seu contexto "célula"... não sei se ainda... mas que falam tanto de discipulado, discípulo e etc... mas se quer compreendem... brincam de CtrlC / CtrlV. Eu amo a forma com que suas palavras desenham e fazem com que a compreensão venha de forma espontânea por quem te lê... e tudo fica extremamente claro...
ResponderExcluirSerá que não haverão mais postagens de vídeos seus?...
Muito bom, bela perspectiva do texto e, é lógico, uma mensagem profunda!
ResponderExcluirOi Marconi. Desculpe só poder responder agora. Bom saber que o texto lhe foi útil ao coração. Peço a Deus que sejam sempre inspiradores a você. Sinta-se a vontade para compartilhar sempre suas impressões, ainda que nem sempre possam ser positivas. Porque se o elogio incentiva a iniciativa, a crítica aprimora o empenho. Em Deus somos livres para expressarmos nossas percepções.
ExcluirObrigado pelo carinho de ler os textos e comentar.
Um forte abraço...
Bom dia! As últimas palavras definem bem o texto... sem fé é impossível agradar a Deus. No momento que se confia em Deus nada mais importa pois ao lado dele tudo é alcançável! Obedecer é melhor que sacrificar!
ResponderExcluirÉ isso Márcio. A obediência é espontânea, quando firmada na confiança. E se fortalece no exercício diário da devoção e amor. Obrigado pelo incentivo de sempre. Um forte abraço...
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