quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O que temos pedido a Deus?


Por Jânsen Leiros Jr.


1 Estava Jesus em certo lugar orando e, quando acabou, disse-lhe um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos. 2 Ao que ele lhes disse: Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; 3 dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano; 4 e perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo aquele que nos deve; e não nos deixes entrar em tentação, [mas livra-nos do mal.] 

5 Disse-lhes também: Se um de vós tiver um amigo, e se for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, 6 pois que um amigo meu, estando em viagem, chegou a minha casa, e não tenho o que lhe oferecer; 7 e se ele, de dentro, responder: Não me incomodes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para te atender; 8 digo-vos que, ainda que se levante para lhos dar por ser seu amigo, todavia, por causa da sua importunação, se levantará e lhe dará quantos pães ele precisar. 

9 Pelo que eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; 10 pois todo o que pede, recebe; e quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á. 11 E qual o pai dentre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente? 12 Ou, se pedir um ovo, lhe dará um escorpião? 13 Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?"
Lucas 11:1-13 - JFA

Na esfera da religiosidade, a oração sempre esteve envolta em mistérios, tornando-se objeto de constante de questionamentos, estudos, e diversas análises por parte de teólogos, cientistas da religião, palestrantes e curiosos. Sendo chamada de oração, reza, ou prece, conforme a doutrina professada, o ato ou rito que pretende impulsionar o devoto àquilo que considera sagrado, sempre causou expressivo interesse de todos os que se envolvem no aprofundamento do conhecimento de suas essências divinais.

Com os discípulos de Jesus não foi diferente, embora suas motivações tenham sido um pouco mais imediatistas. O texto de Lucas revela que João Batista já havia se ocupado em ensinar seus discípulos a orar. Os de Jesus, por sua vez, talvez achassem estranho que até aquele momento ele não o tivesse feito, ou mesmo demonstrado interesse em fazê-lo. Lucas parece ter uma preocupação temática, e não é sem motivo que ele coloca aqui este relato, ainda que breve, sobre o Pai Nosso, conhecida como a oração ensinada por Jesus.

- Pai que reina no céu, igualmente reine aqui na terra. Que tenhamos diariamente apenas o bastante para o nosso sustento, e a exemplo do perdão que concedemos aos que nos fazem mal, perdoa também as nossas transgressões. Somos fracos, por isso não nos deixe sequer ser envolvidos em tentações, livrando-nos antes do mal que nos avizinha. Essa seria uma interpretação livre do que Jesus ensina, que nada tem a ver com uma oração, reza ou prece a ser repetida, sendo antes de mais nada, uma postura que o seu discípulo deve ter diante do domínio de Deus sobre sua vida cotidiana. Um reinado efetivo de Deus, que em vez de se dar à barganha por uma vida de abastança, prosperidade material, ou mesmo de realização pessoal, garante o sustento da vida e das boas relações entre os homens, além de um coração puro.

Ora, se atender a um pedido insistente de alguém é mais do que natural entre os seres humanos, mesmo que seja apenas para se livrar do pedinte, muito mais nos atenderá o Senhor. Pois se nós, por pior que sejamos como indivíduos, sabemos e nos interessamos em dar bons presentes aos nossos filhos, muito mais nos fará o bem, o bom e misericordioso Deus e Pai. Tal insistência, porém, tem alvo e direção; quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem.

Os discípulos de Jesus, aqueles que conviviam diariamente com ele, percebiam que a capacidade para realizar todos os milagres que presenciaram, tinha alguma ligação com sua dedicação à oração. E talvez pensassem que o segredo estivesse na forma ou no conteúdo da oração. E como ele estivera há pouco orando, que melhor ocasião e oportunidade para pedir; Senhor, ensina-nos a orar?

Ora, eles claramente tinham em mente que Jesus lhes passaria uma regra, uma fórmula mágica, que engendrasse as palavras de uma maneira que lhes funcionasse como um chave para abrir as portas do poder realizador, de tudo a que se pretendessem fazer. Outros rabinos também se ocupavam em ensinar suas orações, suas rezas. Entre os povos gentios era comum o uso de vãs repetições, numa sequência que se pretendia mágica, ou capaz de mover a mão de Deus[1].

O que Jesus porém, ensina nas entrelinhas de seu discurso, é que a capacidade de executar tudo o que realiza, não vem da forma ou do conteúdo de sua oração, mas do Espírito Santo, que Deus o pai concede a quem quer que lhe peça. Por isso, pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede, recebe; e quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á. Se queremos realizar tudo aquilo a que Jesus nos comissiona, precisamos estar inspirados e plenos do seu Espírito. É isso que devemos pedir a Deus.

Como há gente ensinando mantras, orações, rezas e preces poderosas, que ditas de determinadas formas, proferidas em determinados lugares[2], ou ainda pronunciadas em horários específicos, tocará os céus de um modo especial, de sorte que Deus se verá obrigado ou constrangido a atender. Procuramos adular Deus para que ele faça-nos o que pretendemos. Seja lá o que venhamos a pretender. No reino de Deus, o poder realizador é do seu Espírito, que habita em nós, e em nós realiza tanto o querer, quanto o efetuar[3].

Que Deus nos ensine a pretender aquilo que interessa ao seu reino e à sua vontade[4]. Para que deixemos de ser como meninos que anseiam por realizações frívolas e passageiras, enquanto o mundo jaz no maligno[5].


[1]  Mateus 6:7
[2]  João 4:19-24
[3]  Filipenses 2:13
[4]  Mateus 6:33
[5]  1 João 5:19

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Filho revela o Pai. E nós, o que revelamos?


Por Jânsen Leiros Jr.


17 Voltaram depois os setenta com alegria, dizendo: Senhor, em teu nome, até os demônios se nos submetem. 18 Respondeu-lhes ele: Eu via Satanás, como raio, cair do céu. 19 Eis que vos dei autoridade para pisar serpentes e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo; e nada vos fará dano algum. 20 Contudo, não vos alegreis porque se vos submetem os espíritos; alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus. 

21 Naquela mesma hora exultou Jesus no Espírito Santo, e disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos; sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. 22 Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 

23 E voltando-se para os discípulos, disse-lhes em particular: Bem-aventurados os olhos que vêem o que vós vedes. 24 Pois vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que ouvis, e não o ouviram."
Lucas 10:17-24 - JFA

Não há registro do tempo gasto pelos discípulos nessa missão. O que se pode perceber, contudo, é que houve grande sucesso, pois Jesus comenta sobre as reações enfurecidas de Satanás. Essa passagem é controversa em sua explicitação, mas de certa forma também não teria relevância teológica por definição, se não apenas considerando sua contextualização; de que a missão dos discípulos abalou as hostes do mal.

E por mais enfurecido que ele, Satanás, possa ficar, completa Jesus, nenhum dano lhes poderá causar, pois ele, Jesus, nos deu autoridade para pisarmos serpentes e escorpiões; figuras do mal e de suas representações. Sobre todo o poder do inimigo, de modo que nenhuma retaliação precisará jamais ser temida, quando de nossas investidas a pregar o evangelho do Reino.

Isso é mais do que alentador. É desafiante e revelador, pois muitos há que pensam que ao realizarem a vontade de Deus, sofrerão retaliação do mal, e temem fazer o que lhes está proposto por vocação e chamado. Não estamos falando obviamente de agirmos desafiadoramente, pois não temos espírito de contenda[1], mas em realizando a vontade do Senhor no anúncio e pregação do evangelho da salvação, não temos que temer a quem quer que seja; muito menos investidas do mal.

Notem que não estamos ainda dizendo que nos tornamos inatingíveis ou super-homens. De jeito algum, mas precisamos nos imbuir da confiança de que fazendo a vontade do nosso Senhor e Deus, nada nos acontecerá que Ele mesmo não queira. Ou não cremos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus?[2] Até porque seremos bem-aventurados se, a exemplo de nosso Senhor, formos perseguidos, e se por amor ao seu nome formos mal tratados e caluniados[3]. Em tudo e por tudo daremos graça[4].

Jesus, porém, faz uma importante advertência. Tal autoridade sobre o mal não quer dizer grande coisa. Não é o mais importante. Na verdade não é nada comparado à salvação de nossas almas, cuja garantia é o nome escrito nos céus. Essa autoridade sobre o mal não é um fim em si mesma. Antes ela é apenas um instrumento no avanço do reino de Deus. Aliás, Jesus por vezes coloca tais manifestações em segundo plano, evidenciando contudo o resgate da vida daquele em quem o milagre se deu. A salvação é maior que o milagre. A salvação é o objetivo final; a redenção. A autoridade sobre o mal e o milagre, apenas um meio.

Nos versículos 21 e 22 Jesus então exalta Deus pela inversão do entendimento da essência do seu reino de Deus, entendida e vivenciada pelos pequeninos, desprezados, e sem importância, em detrimento dos doutores e entendidos da lei, mergulhados em religiosidade vil e em nada piedosa. É a sabedoria de Deus se fazendo loucura para o mundo. Além disso, tendo eles, os doutores da lei e seus próximos, rejeitado Jesus como o Filho de Deus, rejeitaram na verdade a Deus, pois somente o Filho revela o Pai[5].

Essa foi a grande loucura à qual jamais se permitiram aquiescer os doutores da lei. Deus escolheu as coisas simples do mundo. Enquanto se esperava o nascimento do Rei Messias através da família real palaciana, ele nasceu de um ramo simples, em uma manjedoura, sendo reconhecido como rei e redentor por religiosos de outros povos,[6] e saudado por pastores[7]. O verdadeiro Messias revelou o Deus invisível a homens igualmente simples, em sua maioria pescadores, a quem o anúncio da salvação foi confiada para a glória de Deus Pai. Uma sabedoria controversa, jamais entendida ou crida por homens loucos, sufocados pela opulência de seus conhecimentos ineficazes à alma.

Quantos homens de Deus, profetas e reis, viveram na esperança de verem a salvação do nossos Deus, e não lhes foi possível, diz Jesus no verso 24. Os discípulos estavam tendo esse grande privilégio, bem como nós o temos nos dias de hoje, que cremos por fé, dom de Deus, pela qual sequer podemos nos gloriar[8]. Vivenciamos a história completa. Somos personagens dela, viventes em um reino divinal estabelecido em nossos corações[9]. Por que temer o mal, se vivemos em nós, pelo Espírito do Senhor, todo o bem?

A autoridade nos foi dada sobre todas as coisas, a exemplo do domínio dado a Adão quando da criação[10]. Não há nada o que temer, por mais assustadora que seja a circunstância, ou mais feroz e implacável que pareça o oponente. Quem apresentamos ao mundo, nós que vivemos o privilégio da graça?

Ainda há quem se pilhe de desculpas para não testemunhar a salvação de Deus; seja por medo, seja por timidez. Jesus, o Filho, revelou Deus, o Pai. E nós, a quem temos revelado? Ser discípulo e testemunha, é revelar o caráter de Cristo em nós. Para que assim como ele revelou a seu Pai, nós revelemos em nós, o salvador de nossas almas. Que o Espírito de Deus nos capacite com confiança e ousadia, para que nossas vidas reflitam a graça que nos alcançou, e possamos experimentar dia a dia, a revelação em nós, do Filho de Deus.



[1]  Romanos 13:13; Filipenses 2:3
[2]  Romanos 8:28
[3]  Mateus 5: 11-12
[4]  Efésios 5:20
[5]  Hebreus 1:1-3
[6]  Mateus 2:1-12
[7]  Lucas 2:15-20
[8]  Efésios 2:8-9
[9]  Lucas 2:25-32
[10]  Gênesis 1:27-28

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Um caminho que não aceita volta


Por Jânsen Leiros Jr.


51 Ora, quando se completavam os dias para a sua assunção, manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém. 52 Enviou, pois, mensageiros adiante de si. Indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos para lhe prepararem pousada. 53 Mas não o receberam, porque viajava em direção a Jerusalém. 54 Vendo isto os discípulos Tiago e João, disseram: Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir [como Elias também fez?] 55 Ele porém, voltando-se, repreendeu-os, [e disse: Vós não sabeis de que espírito sois.] 56 [Pois o Filho do Homem não veio para destruir as vidas dos homens, mas para salvá-las.] E foram para outra aldeia. 

57 Quando iam pelo caminho, disse-lhe um homem: Seguir-te-ei para onde quer que fores. 58 Respondeu-lhe Jesus: As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. 59 E a outro disse: Segue-me. Ao que este respondeu: Permite-me ir primeiro sepultar meu pai. 60 Replicou-lhe Jesus: Deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos; tu, porém, vai e anuncia o reino de Deus. 61 Jesus, porém, lhe respondeu: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus."
Lucas 9:51-61 - JFA

Diante da negativa sobre as pretensões de pousarem na hospedaria daquela aldeia samaritana, Tiago e João, indignados, queriam orar pedindo que o fogo consumidor de Deus destruísse aquele estabelecimento. Eles foram advertidos por Jesus, que não caberia qualquer retaliação a quem quer que fosse, pois seu papel era o de salvação e não de destruição de vidas humanas. Como havia ele mesmo orientado os discípulos anteriormente, não haveria de se impor a quem o rejeitasse.

Essa, inclusive, é uma das mais importantes características da mensagem de Jesus; a liberdade do homem, tanto para nele crer, quanto para rejeitá-lo. Não há imposição. Não pode haver. Se qualquer um de nós fosse por Deus obrigado a crer n'Ele, não haveria perfeição em seu amor, pois a ordem imposta não é perfeita em amor.

E o texto acima fala exatamente sobre aceitação e convívio com Jesus. Ao primeiro que se aproximou ele disse que nada teria a dar em troca, se não a providência de Deus dia a dia, para o que é essencial à vida. Nem lugar certo para repousar haveria. Jesus fez esse alerta, porque muitos se empolgavam ao verem seus sinais e prodígios. Se encantavam com os holofotes do espetáculo de poder, mas não estavam preparados para a morte em relação as vicissitudes da vida. Criam que tal poder lhes garantiria uma vida de opulência e prosperidade material. As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.

Já o segundo após ouvir a resposta de Jesus, tentou arrumar uma desculpa. E tentou argumentar de um maneira, no seu entendimento, irrefutável. Mas Jesus lhe deu uma resposta ainda mais contundente, pois quem não escolhe caminhar com ele, está tão morto quanto aqueles que pretendia enterrar. Ou seja, muitos se afastam de Jesus, diante da perspectiva da morte para a vida que acreditam muito melhor e mais agradável, do que aquela que poderão ter ao lado de Jesus, na comunhão com Deus. Deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos.

Mas a advertência mais forte é a final. Ela se assemelha ao mesmo comportamento da mulher de Ló, que livre da destruição de Sodoma e Gomorra, olha para traz, lamentando o que deixou. Olhar para traz, significa claramente não ter escolhido genuinamente abandonar o que lhe prendia. Significa preferir o que está fora do Reino, ou o que nele não pode entrar. Quem olha para traz, jamais abandonou a vida que levava. Jamais optou legitimamente por Deus. Apenas se enganou.

Ora, se a escolha por Deus não nos é em momento algum imposta, por que tantos se enganam e enganam a tantos, sobre suas decisões falsas e superficiais? Porque no fundo acreditam que se locupletarão pela proximidade com o reino. Não nasceram de novo, mas se travestiram convenientemente de crianças que precisam de leite, enquanto comem de suas próprias carnes às escondidas, na oportuna privacidade de suas vidas reservadas e impublicáveis. Negam o princípio óbvio de que estar ao lado não é estar dentro. Nem mesmo estar à porta.

Mas não há só enganadores mordazes. Diante da vida desafiadora que o evangelho propõe, há os que sinceramente claudicam e temem segui-la, abandonando tudo o que suas vidas lhes proporcionaram até agora. É mesmo uma decisão que deve ser tomada com convicção e propósito, porque ninguém engana Deus. Sem fé é impossível agradar a Deus. Por isso mesmo, dirá alguém mais tarde, voltar atrás será como o porco que lavado retorna à lama.


Que Deus em sua infinita bondade e graça, nos confirme dia a dia nesse caminho de alegre abnegação, porque não há mais bem-aventurada aventura, do que caminhar com Jesus. Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus.

A boca flagra o coração



Por Jânsen Leiros Jr.


43 Porque não há árvore boa que dê mau fruto nem tampouco árvore má que dê bom fruto. 44 Porque cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto; pois dos espinheiros não se colhem figos, nem dos abrolhos se vindimam uvas. 45 O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem; e o homem mau, do seu mau tesouro tira o mal; pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca. 

46 E por que me chamais: Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu vos digo?    47 Todo aquele que vem a mim, e ouve as minhas palavras, e as pratica, eu vos mostrarei a quem é semelhante: 48 É semelhante ao homem que, edificando uma casa, cavou, abriu profunda vala, e pôs os alicerces sobre a rocha; e vindo a enchente, bateu com ímpeto a torrente naquela casa, e não a pôde abalar, porque tinha sido bem edificada. 49 Mas o que ouve e não pratica é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre terra, sem alicerces, na qual bateu com ímpeto a torrente, e logo caiu; e foi grande a ruína daquela casa."
Lucas 6:43-49 - JFA

Uma das maiores crises morais que vivemos no mundo moderno, é a crise de legitimidade. Ao longo do dia, nos mais diferentes grupos de convívio, seja no trabalho ou em família, seja em roda de amigos ou nas igrejas, convivemos com personagens irreais, elaborados e construídos para encobrir verdades nada agradáveis, que habitam os porões de almas inquietas e perplexas pelo confronto com suas naturezas nada encantadoras.

No afã de se tornarem aprovadas e reconhecidas, pessoas se esmeram em camuflar sensações e pensamentos, vivendo a mímica de vidas alheias, tornando-se um reflexo embaçado de pessoas que imaginam ser bem sucedidas, autênticas e felizes. No fundo, montaram uma cópia de si mesmas, onde suas falas e gestos se desenvolvem à parte do ente que se desloca pelo mundo.

Muitas são as motivações de quem monta esse personagem, e nem sempre tal elaboração é maliciosamente pensada. Em muitos casos advém da necessidade quase involuntária de se perceberem aceitos e inseridos em contextos ou circunstâncias, que acreditam ser vitais ou preferenciais para suas existências cotidianas.

Ainda que aparentemente inofensivas, e resultantes de uma atitude permissiva da alma que aceita o menor dano, tais máscaras não se legitimam por suas pseudoinocências. Muito pelo contrário. Elas são o caminho mais curto para uma frustração iminente, que se anuncia a cada conquista que se obtenha por conta da inverdade criada, e sustentada às custas de enganos que se avolumam em uma história longa ou curta. Sim, porque a cada ato do outro, em favor desse eu que não existe, mais evidente fica para mim mesmo que, não fosse eu quem realmente não sou, para muitos eu nada seria. Então o medo de perder o que se tem, realimenta a mentira. Mas até quando? Porque ninguém engana todo mundo o tempo todo.

Jesus alerta que toda farsa tem vida curta. Nenhum engano, por mais bem engendrado que seja, resistirá à prova do fruto. E por que isso? Porque o fruto está intimamente ligado à semente. Não há como esperar brotar abacate, de uma semente de mostarda. O bem não advém de um mal tesouro, nem o contrário pode ser. Pelo fruto se conhece a árvore. E o verdadeiro fruto sempre se apresenta; a boca fala do que está cheio o coração[1].

A falácia de uma vida ilusória, ergue uma casa que não resiste às intempéries cotidianas. O mundo real a castiga com imprevistos, contratempos, e tempestades, que a levam à ruína. A mentira de uma vida inventada não resiste à verdade de dias reais e difíceis. Logo a verdade do que somos se imporá às nossas relações. E o que se faz quando flagrado sendo o que realmente se é? Um dia a casa cai.

Não é sem razão que Jesus fala tanto sobre coração verdadeiro, sobre coração puro. Não é de um coração sem pecado, mas sim de um coração verdadeiro, ainda que pouco atraente em sua realidade. Ainda que ausente de orgulho pelo que é, ou repleto de motivos pelos quais se envergonhe. Um coração puro é aquele do qual toda fantasia e mentira foi retirada, e se mostrou verdadeiro, consciente de sua dependência de Deus, sendo o que é. A um coração contrito e quebrantado não resiste o Senhor[2].

Aquele que observa com temor e dedicação à verdade revelada de Deus, é capaz de passar por dias difíceis e de grandes tormentas. Porque a Palavra de Deus é rocha, onde os alicerces bem fundados, e o bom tesouro bem guardado, garantem o bom fruto, sustentado em segurança. Não dá para viver uma vida dupla. Deus não se relaciona com personagens! É nessa máxima que se fiam aqueles que se derramam em espírito e em verdade diante de Deus.

Que tipo de semente tem sido plantada em seu coração? E de que procedência são os valores que se acumulam em seu peito? Ou ainda, em qual terreno tem alicerçado os fundamentos de seu edifício espiritual? Que Deus nos conceda a coragem e a confiança de sermos sempre o que somos, sendo por Ele recebidos e curados, e atraentes aos corações que realmente importam, pelo que realmente somos.



[1]  Mateus 12:34; Lucas 6:45
[2]  Salmos 51:17
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