“Também
descobri por que as pessoas se esforçam tanto para ter sucesso no seu trabalho:
é porque elas querem ser mais do que os outros. Mas tudo é ilusão. É tudo como
correr atrás do vento.”
Provérbios
14:23 - RA
Há muita confusão nessa retórica de trabalho e trabalhador. E se já falamos
aqui sobre preguiça e diligência, podemos nos concentrar hoje
em quem vive para o trabalho, gastando nele as melhores horas, dos melhores
dias, da mais produtiva fase da vida. Pois se é verdade que “o trabalho
dignifica o homem”, também é verdade que viver em função dele pode dar muito, mas
muito trabalho mesmo.
Obviamente não estamos falando do
trabalho em si, nem estamos apresentando uma bela desculpa para quem adora
encostar-se num barranco. Antes o foco aponta para a motivação de tanto
trabalho, e suas conseqüências na vida pessoal de quem troca a vida em família
e as outras relações sociais, por horas intermináveis de pretensa dedicação
laboral.
Dizemos “pretensa”, porque obviamente
o trabalho como cumprimento diligente e responsável de tarefas, não leva
ninguém ao ostracismo nem ao afastamento daqueles para quem sua presença é
importante. Na verdade, o excesso de trabalho, a troca da vida por horas
intermináveis de ocupação, antes de ser causa, na maioria das vezes é sintoma
de desequilíbrios outros, nos mais variados segmentos da vida humana, indo
desde a necessidade de ocupar-se para fugir de pendências que podem consumir a
mente, até a simples falta de vontade de voltar para casa, passando pela necessidade
desenfreada de ter sempre mais do que já se tem, e chegar até mais longe do que
já se chegou. E é nesse aspecto que iremos nos ater. Na ganância e seus muitos
disfarces.
O rei Salomão teve seguramente uma das
maiores riquezas da história universal. Sábio e intelectual amealhou ao longo
de sua vida uma riqueza tão grande, que por toda Terra era comentada sua
riqueza. Reis e rainhas de outras nações atravessavam distâncias enormes apenas
para ouvirem sua sabedoria, e com isso lhe presenteavam com grande parte de
seus próprios tesouros. Além das alianças e casamentos que lhe fizeram ainda
mais rico. Ainda assim, e a despeito de tão grande riqueza, e provavelmente
após todo o empenho em entesourar-se, Salomão descreve grande pesar pela
dedicação excessiva a essa tarefa.
Claro que quem vive tal desequilíbrio
não se posiciona tão francamente nem para si mesmo. A armadilha que leva a essa
conduta é sutil. Por isso chamamos de disfarces, porque na verdade criamos uma
capa de sobriedade e responsabilidade difícil de ser
contra-argumentada, que encobre a verdadeira face da ganância que habita no
íntimo. Queremos sempre mais e muito mais... E por quê?
Segundo o próprio Salomão, porque
queremos ser mais que os outros. Mas ainda poderíamos acrescentar que também
vai aí uma pontinha de necessidade de segurança. Sim, aquela segurança que o
poder de compra, que a capacidade de pagamento concede a todos que a têm.
Aquela falsa segurança que o dinheiro compra, a qual Jesus chamou de loucura.
“15
Então, lhes recomendou: Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza;
porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui. 16
E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu
com abundância. 17 E arrazoava consigo mesmo, dizendo:
Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? 18
E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e
aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. 19
Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos;
descansa, come, bebe e regala-te. 20 Mas Deus lhe disse: Louco, esta
noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? 21
Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.”
Lucas
12:15-21 - RA
A verdade é que, seja pela vontade de
ser mais que os outros, seja pela falsa sensação de segurança que o dinheiro e
os bens podem nos dar, o trabalho em excesso empobrece as relações pessoais, à
medida que seqüestra-nos do convívio das pessoas a quem queremos bem, que nos
demandam tempo, e o mais irônico, exatamente daquelas por quem, em tese, tanto
nos esforçamos. Olha aí mais uma armadilha e sutileza da ganância.
É nesse cenário de presumível
dedicação e sucesso na vida, que fracassam as relações amorosas, crianças são
criadas sem limites, adolescentes se afastam de seus pais, jovens vivem
inseguranças inconfessáveis e idosos são abandonados, se não em asilos, em
lares onde suas presenças e necessidades são mais um estorvo, do que a feliz
companhia de quem pode transmitir muito mais sabedoria que informação. Estamos
sempre tão ocupados e preocupados, que não enxergamos quem desfila diante de nossos
olhos, pedindo e esperando por atenção. Lutamos para enriquecermos os bolsos e as
contas bancárias, mas empobrecemos as relações pessoais e a alma.
Não devemos jamais agir com
displicência em nosso trabalho. Muito pelo contrário. Sejamos sempre diligentes
e dedicados em tudo que fazemos ou a que nos propusermos realizar. Mas é
necessário sabedoria para dosar a mão, para que aquilo que em tese buscamos
para sustentar-nos a felicidade e dias mais felizes, não se transforme em correr atrás do vento. Afinal, como bem
nos alerta a sabedoria popular, a sutil diferença entre remédio e veneno é a
dose.
Que Deus nos faça sábios sempre, para
utilizarmos com cada tesouro a medida certa.
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