Antônio
(mas poderia ser José, Joaquim... João)
Você
tem razão ao dizer que nossos teólogos, pastores e líderes religiosos não têm
muito a dizer sobre o Reino de Deus,
senão o uso de “vãs repetições”, chavões,
ou como você bem colocou, descrições patéticas de uma riqueza que não possui
relevância ou pertinência em nossa sociedade. Uma vez eu li um livro com o
título “A Localização Cósmica do céu e do inferno”. Pareceu-me muito engraçada,
a tentativa de enxergar em textos bíblicos, um ponto físico no universo onde os
dois lugares estariam localizados. Mesmo esse livro, contudo, não descrevia
muito bem como seria o Céu e nem mesmo o Inferno, e como seria a existência
permanente nesses locais.
Acredito
que, de certa forma, os filósofos realmente sejam mais felizes na tentativa de
descrever hipoteticamente o Céu e o Inferno, pois o fazem com a liberdade do
pensamento que não se prende a peias eclesiásticas. Não pretendem comprovar ou
mesmo sustentar nenhum pressuposto religioso ou linha teológica contemporânea.
Não obstante, as versões de alguns carecem de uma ótica importantíssima para
uma avaliação mais adequada, ou por assim dizer, plausível, uma vez que falamos
de um tema ligado a fé e a esperança: O propósito de Deus para a existência
desse Reino.
Você
pode aí até me considerar pedante por querer ver “... a partir do propósito do
próprio Deus”. Mas vamos tentar trilhar esse caminho juntos, raciocinando sem
necessariamente usarmos o texto bíblico como base, de modo que possamos sair do
lugar comum, e caminhar por uma estrada que nos leve à razão daquilo em que
acreditamos. Sim, porque creio, como você, que é preciso fugir dos “clichês” amarelados,
desgastados, que não conseguem mais satisfazer as mentes mais atentas. Mentes
que não aceitam as tentativas subliminares de manipulação dos ouvintes ou
leitores, que circulam flagrantes e sem nenhum pudor no nosso meio. Essa vulgarização
do sagrado, talvez, tenha provocado a frase que li, não me lembro onde, que
dizia: "O inferno já não assusta,
assim como o céu já não encanta mais".
Sinceramente
não me espanta que não encante mais. Em plena era da informação, saúde e
boa forma, e da tecnologia, em
que a sociedade valoriza a atividade constante, seja ela física ou mental, insistimos
em considerar como céu, um lugar ou
estado de descanso eterno e vida
contemplativa. Por isso eu costumo brincar com meus colegas que reclamam que eu
durmo pouco: “Dormir para quê? Quando morrer dormirei o resto da vida!”. Há até
os que brincam dizendo que se no céu não houver futebol e mulher bonita, preferirão
ir para o inferno. É evidente que não pensam isso de verdade. Mas de certa
forma denunciam a sensação de incômodo, provocada pela possibilidade de uma próxima
existência ser menos interessante e aventureira que a atual. Ninguém prefere o
insípido ao saboroso.
Observemos
que quase a totalidade das religiões, dependendo de sua origem e das circunstâncias
de vida de seus seguidores, o céu ou
o reino porvir varia conforme aquilo
que julgam ser mais reconfortante e valoroso como prêmio. Transferem suas recompensas
e suas esperanças do aqui e agora, para uma existência futura, crendo num porvir mais exuberante. Podemos
constatar isso estudando, mesmo que superficialmente, qualquer religião que
julgue existente uma vida após a morte.
Mas
voltando ao meu petulante prisma do propósito de Deus, precisamos avaliar alguns
princípios pertinentes:
1
– Embora a Bíblia seja sempre atual em sua mensagem e em seu poder de revelar Deus
à humanidade, seus autores se utilizaram de alegorias comuns à sua época, para que
sua comunicação e argumentação pudessem ser persuasivas e convincentes aos seus
circunstantes. Ao usar a expressão “Reino de Deus”, Jesus o está diferençando
do reino romano que subordinava e oprimia o povo de Israel. Tanto é assim, que
o aguardado Messias do Antigo Testamento, segundo a interpretação messiânica
judaica, seria um libertador nacional, que devolveria aos judeus a liberdade e a
soberania em seu próprio território. O mesmo princípio que orienta João a
descrever em Apocalipse uma “Nova Jerusalém”, um lugar totalmente outro do que
viviam seus leitores e liderados. Havia ainda o domínio opressor dos sacerdotes
e fariseus, que exerciam grande influência negativa sobre as pessoas comuns, comercializando
com a fé e manipulando com certo terrorismo religioso os mais piedosos e
sinceros devotados. Isso, portanto, indica que o conceito de Reino, mais do que pretender estabelecer
a existência de um lugar cósmico e de condições excelente, traduzia na verdade
que o “Reino de Deus” seria um “lugar” onde as condições de vida existentes
naquela época seriam completamente outras, invertidas... Transformadas. O Reino de Deus é, portanto, anunciado
como novidade de vida, transformação das condições existentes, redenção... Ou
ainda a passagem do estado de “caos” para “ordem”, criando um paralelo ao que
Deus fez quando criou o mundo; “... A Terra, porém, era sem forma e vazia...”
traduzida da Torá como “caos e ruínas”.
2
– Se cremos no que colocamos até agora, podemos concluir então que Reino de Deus está mais perto de ser um estado de coisa do que propriamente um
lugar, ou um ponto geográfico passível de ser descrito fisicamente ou apontado
geograficamente. Assim, qual maior recompensa poderia ter aquele que ama a Deus,
do que sua presença? Que maior realização poderia existir no porvir, do que o
relacionamento direto com o Pai, a comunhão constante, livre das solicitudes
que a vida cotidiana em um mundo conturbado nos impõe?
3
– Seguindo ainda nessa linha, o inferno
seria simplesmente o inverso disso. A ausência de Deus, a dor do remorso de
tê-Lo rejeitado, banido da própria vida... Evitado o próprio autor da vida. Tal
circunstância faria desse estado de coisa, um “lugar” de dor, “de choro e
ranger de dentes”... Remorsos, amarguras. Condição imutável na qual não mais
caberia arrependimento.
Não
posso e não consigo enxergar o Reino de Deus de outra forma. Se o Reino de Deus
é para aqueles que O querem, O preferem, O buscam, que maior recompensa ou novidade
de vida, do que sua presença constante e muita atividade relacional, num exercício
pleno e eterno de interação com nosso Criador?
Descanso?
Sim, até acredito que teremos. Mas o descanso da luta contra “a carne”, de vivenciar
a injustiça que assola o planeta, da miséria que ceifa milhares de vidas por
dia, das guerras travadas por motivos insustentáveis... Talvez seja esse o descanso
prometido por Jesus.
Espero
Antônio, que minha nova exposição tenha deixado mais clara a minha posição.
Continuo concordando com você. Nosso povo e também aqueles que se dizem líderes,
deveriam usar mais do poder do discernimento, deixando de lado a preguiça de pensar.
Não deveriam alimentar suas almas com “migalhas” da fé. Para mim, a teologia
será ainda mais apaixonante quanto mais pragmática e aplicável na vida real ela
puder ser, oferecendo conforto e consolo. De modo que, conhecer uma possível
descrição física do reino de Deus, nada de novo ou edificante traria para a
alma. Seria apenas um saber. Mas como
diria Rubem Alves, o sabor, o prazer desse
reino estará na comunhão com Aquele por quem anseia a nossa alma. Isso sim nos
preenche de esperança, e renova as forças para vivermos o mundo real agora,
aguardando o dia em que O poderemos ver “frente a frente”.
Nele,
que estabelece seu Reino em nossos
corações já nessa vida...
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