Por
Jânsen
Leiros Jr.
Quando a emoção vira critério de espiritualidade, e a linguagem piedosa esconde uma teologia rasa, é hora de revisitar os fundamentos da fé.
John MacArthur
“Muitos cristãos
modernos não querem ser ensinados, querem ser entretidos. Confundem lágrimas
com arrependimento, arrepio com presença de Deus, e euforia com fé.”
Martyn Lloyd-Jones
“O maior perigo para a
fé é quando se busca experiência em vez da verdade. Porque a verdade
transforma, a experiência apenas impressiona.”
Francis Schaeffer
“Se não há verdade, não
pode haver fé cristã. Se a fé cristã é apenas uma experiência subjetiva, então
ela não é diferente de qualquer emoção religiosa pagã.”
Jonathan Edwards
“As afeições
religiosas verdadeiras nascem da luz da verdade que ilumina o coração — e não
do calor da emoção que apenas aquece a superfície.”
C.S. Lewis
“Se você busca uma religião feita para o seu conforto, eu certamente não lhe recomendaria o cristianismo.”
A
espiritualidade evangélica contemporânea, especialmente nos círculos mais
carismáticos e afetivos da fé, tem adotado com entusiasmo a expressão
“intimidade com Deus”. É um mantra repetido nos louvores, sermões, devocionais,
livros e conselhos pastorais. A ideia seduz, encanta e emociona. Afinal, quem
não gostaria de ser íntimo do Criador, aquele que governa os céus e a terra, e
que nos ama com amor eterno?
Mas
será que essa “intimidade” é uma categoria teológica legítima? Ou será que
estamos usando uma palavra bonita para tentar expressar uma experiência que não
compreendemos completamente — ou, pior, que reinventamos à nossa imagem e
semelhança?
Conhecimento
mútuo: a exigência que a intimidade impõe
Intimidade,
no conceito comum, não é apenas proximidade ou convivência; é o conhecimento
mútuo e voluntário entre dois seres conscientes de si. É quando duas pessoas se
revelam uma à outra, se expõem, se abrem, se permitem ser conhecidas sem
reservas. E aqui reside a primeira dissonância com a relação entre o ser humano
e Deus.
Porque,
se é verdade que Deus nos conhece de forma total e absoluta — “Antes mesmo que
a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor” (Sl 139.4)
—, também é verdade que o contrário jamais se dá. Nós jamais O conheceremos
dessa forma, nem nesta era e, possivelmente, nem na glória, uma vez que o ser
de Deus é infinitamente transcendente. Nosso conhecimento dEle se dá unicamente
por Sua auto-revelação — nas Escrituras, em Cristo e na ação iluminadora do
Espírito Santo (Jo 1.18; 1Co 2.10-12). Como lembra Karl Barth, “Deus se revela,
Deus se revela a si mesmo, Deus se revela como amor.” Ou seja, o acesso a Deus
não é espontâneo, mas concedido.
Portanto,
se o nosso conhecimento de Deus é unilateralmente concedido, assimétrico por
natureza e mediado pela fé, como podemos falar em intimidade nos moldes
humanos? Intimidade pressupõe igualdade de acesso ao outro, mas, no caso de
Deus, é Ele quem estabelece os termos — e não nós.
A
espiritualidade sentimentalóide e o risco do autoengano
É
nesse ponto que a crítica se intensifica. Intimidade, no conceito moderno,
parece mais uma fantasia emocional do que uma realidade teológica. Tornou-se
uma ideia moldada por uma cultura afetiva, terapêutica e centrada no eu, onde
experiências emocionais intensas são confundidas com profundidade espiritual.
Na
prática, essa busca por "intimidade" acaba funcionando como uma
espécie de substituto para a verdadeira transformação espiritual. Confunde-se
calor emocional com presença de Deus, confissão com vulnerabilidade
terapêutica, lágrimas com santidade. O que se deseja é uma “presença divina”
que nos cause arrepio, mas sem necessariamente nos transformar segundo o
caráter de Cristo. Há uma ânsia por ser tocado por Deus, mas não
necessariamente por ser moldado por Ele.
Paul
Washer alertou certa vez: “A evidência da salvação não é um sentimento de que
você está salvo, mas uma vida que demonstra que você foi transformado.” A
Palavra ecoa essa mesma lógica: “Aquele que tem os meus mandamentos e os
guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21). Em nenhum momento Jesus sugere que a
emoção seja critério de proximidade; Ele fala de obediência, de permanência, de
transformação.
Uma
fé que se refugia no universo gospel
O
que se convencionou chamar de “intimidade com Deus” tem, muitas vezes,
funcionado como porta de entrada para um estilo de vida “gospelizado”, em que
tudo gira em torno de um submundo cultural cristão: a música é gospel, a moda é
gospel, as amizades são gospel, o consumo é gospel. Uma bolha onde a vida é
protegida da realidade, mas não necessariamente santificada por ela.
Esse
fenômeno, por vezes, se aproxima perigosamente de um novo tipo de nacionalismo
judaico — onde a pertença ao grupo "dos íntimos de Deus" substitui a
vivência da cruz. Mas a verdadeira espiritualidade não se limita à cultura que
nos cerca. Ela se manifesta na entrega: Eis-me aqui, como disse Isaías
(Is 6.8), ainda tremendo diante da santidade de Deus. Essa disposição é o cerne
da fé bíblica: não um desejo de sentir, mas uma prontidão para obedecer.
O
que as Escrituras realmente propõem
A
Bíblia não nos convoca à intimidade, mas à comunhão (koinonia), à
obediência, à reverência, à santidade. A espiritualidade bíblica é relacional,
sim, mas marcada por assimetria, temor e redenção. Não há cumplicidade
emocional entre Criador e criatura. Há aliança. E ela é baseada na fidelidade
dEle e na nossa resposta a essa fidelidade.
O
apóstolo Paulo nunca disse que buscava intimidade com Deus. Disse que queria
“conhecê-lo, e o poder da sua ressurreição, e a participação dos seus
sofrimentos” (Fp 3.10). Queria ser conformado com Cristo, não acariciado por
Ele.
Portanto,
talvez devamos parar de romantizar uma relação que, na verdade, exige
obediência, humildade e entrega — não emoção contínua. A pergunta que deveria
ecoar em nossos corações não é "quão íntimo estou de Deus?", mas sim:
tenho vivido de modo digno da vocação que recebi? (Ef 4.1).
Genial e oportuna essa reflexão! Pensar nas camadas mais profundas é pensar fora da caixa. esta é a verdadeira arte. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado pelo incentivo, Lucy. Deus abençoe vc sempre!
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