Por
Jânsen
Leiros Jr.
Quando o símbolo se faz carne e o silêncio grita redenção. A presença do Cordeiro atravessa a história — do Éden ao Calvário, do altar ao pão. Mais que uma lembrança pascal, uma entrega plena: viva, silenciosa e eterna.
Joseph Ratzinger (Papa
Bento XVI)
"O sacrifício de
Cristo é o único que dá sentido a todos os sacrifícios que precederam; Ele é o
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo e redime toda a humanidade."
Hans Urs von Balthasar
"A cruz de Cristo
é o ponto em que todas as sombras se encontram, onde o símbolo de todas as
esperanças se torna a realidade, e o Cordeiro sacrificado revela toda a
profundidade do amor de Deus."
João Calvino
"Cristo, nosso
Cordeiro, não veio apenas como símbolo da redenção, mas como a própria
realidade da expiação, substituindo a antiga Páscoa com o preço de Sua própria
vida."
Martyn Lloyd-Jones
"O sacrifício de
Cristo não é apenas uma lição moral ou uma alegoria; Ele é o cumprimento de
tudo o que foi apontado pelas sombras da Lei, especialmente pelo Cordeiro
Pascal. Em Sua morte, a verdadeira Páscoa é consumada."
Jonathan Bernis
"O Cordeiro
Pascal, sacrificado durante o Êxodo, é uma sombra que aponta diretamente para
Yeshua, o verdadeiro Cordeiro de Deus, cuja morte nos liberta de toda
escravidão espiritual."
Itzhak Shapira
"A figura do Cordeiro na Páscoa não é apenas um rito antigo, mas um testemunho da obra de Yeshua, que, ao morrer como o Cordeiro sacrificial, cumpre a promessa de redenção de Israel e do mundo."
Todos
os anos, principalmente por volta do período da Páscoa, surgem discussões sobre
questões consideradas pilares da fé cristã e que, em contrapartida, representam
a negação primordial de crenças contrárias ao cristianismo. E é bem verdade
que, com a popularização das redes sociais e sua utilização para disseminar
ideias, a difusão de pensamentos que tentam esvaziar a fé no Cordeiro de Deus
tem sido imensamente ampliada.
Quando
tais ideias ou apologias acaloradas e contrárias veem daqueles que vivem fés
divergentes, entende-se facilmente, pois a própria conceituação de suas crenças
exclui, por definição, a identidade de Jesus como esse Cordeiro de Deus. O que
causa maior preocupação — ou mesmo um incômodo — no entanto, é quando tais
defesas, ou poderíamos chamar de ataques, não passam de fogo amigo no confronto
de pensamentos teológicos.
Recentemente,
uma digital influencer afirmou, em um vídeo que circula nas redes sociais[1],
que Jesus não é o Cordeiro Pascal. Ela sustenta que a única menção a Jesus como
tal é feita por Paulo, e que Paulo, afinal, não estava com Jesus na Ceia da
Páscoa. Ela argumenta, ainda, que nesta mesma Ceia, Jesus se refere apenas ao
pão e ao vinho como seu corpo e sangue, mas não faz menção de ser ele o
cordeiro. Isso, segundo ela, invalidaria a interpretação de Jesus como Cordeiro
Pascal, apontando tal leitura como um grave equívoco teológico. Para ela, o
cordeiro da Páscoa judaica estaria apenas relacionado à festa em si, e não à
morte, ressurreição ou expiação, como se a Páscoa fosse mero evento de
celebração identitária, e não memorial da redenção.
Mas...
será mesmo?
Será
que essa ausência explícita do cordeiro na Ceia é reveladora e determinante
para sustentar essa desconstrução da simbologia cristã? Ou seria exatamente
esse silêncio, juntamente com outros detalhes profundos e coerentes, a chave
para a revelação tácita, contundente e inevitável da identidade de Jesus como o
Cordeiro de Deus?
Para
isso, é preciso dar alguns passos para trás. E voltar ao início.
Antes
do Êxodo: o cordeiro já sangrava
O
cordeiro morto no Êxodo, na noite da libertação dos hebreus da escravidão do
Egito, não foi o primeiro cordeiro sacrificado na Bíblia. Longe disso. A lógica
da substituição já palpitava nos primeiros capítulos do Gênesis, como uma
sombra que anunciava o mistério da cruz.
A
oferta de Abel (Gn 4:4), feita dos primogênitos do rebanho, já revela
que a vida inocente é recebida por Deus como oferta agradável. O autor de
Hebreus, aliás, reconhece Abel como o primeiro mártir da fé sacrificial. Logo
adiante, no Éden, Deus cobre a nudez de Adão e Eva com peles — o que sugere a
morte do primeiro animal da história para cobrir a vergonha do pecado humano. A
veste é feita com sangue. A inocência cobre a culpa.
Mas
o episódio mais simbólico e antecipatório do sacrifício substitutivo é o de Abraão
e Isaque. Ali, sobre o monte Moriá, Deus provê um carneiro para morrer no
lugar do filho. Um pai disposto a entregar o filho, e um cordeiro que toma o
lugar. Não é difícil perceber ali o eco da cruz. O próprio Martyn Lloyd-Jones,
gigante da tradição reformada, via nesse episódio um prenúncio direto da
substituição penal realizada por Cristo, o verdadeiro “Deus proverá para si o
cordeiro”.
Tudo
isso ocorre antes mesmo da instituição da Páscoa no Êxodo. Ou seja: a
teologia do cordeiro antecede o Egito.
O
Cordeiro da Páscoa: símbolo da redenção
Quando
chegamos à noite fatídica de Êxodo 12, o cordeiro é finalmente fixado como
memorial. Um cordeiro sem mácula deveria ser morto. O sangue passado nos
umbrais da porta impediria o anjo da morte de ferir os primogênitos daquela
casa. Aqui, a equação é direta: um morre para que o outro viva. É o
ápice da substituição.
Ignorar
o conteúdo sacrificial do cordeiro pascal, como faz a tal influencer, é ler
Êxodo como um rito cultural e não como revelação de um princípio espiritual. O
cordeiro morre no lugar. E quem estiver abrigado sob o sangue está protegido da
morte. A leitura messiânica, tanto entre judeus convertidos quanto entre
cristãos antigos, sempre viu ali a semente do sacrifício de Cristo.
Basta
ler os Pais da Igreja: Inácio de Antioquia, Irineu, Justino... todos reconhecem
a tipologia do cordeiro. E, mais recentemente, o teólogo católico Joseph
Ratzinger (Bento XVI) escreveu que “o verdadeiro cordeiro pascal agora é uma
pessoa. A carne e o sangue da antiga páscoa agora se convertem no próprio corpo
de Cristo, dado em sacrifício”. A ceia se converte em altar. O cordeiro está
ali — mas já não sobre a mesa, e sim no homem que parte o pão.
O
silêncio que fala
Mas,
e na Ceia? Por que Jesus não se refere diretamente a si como o cordeiro?
Exatamente
porque já não era necessário apontar para o símbolo. Ele era o cumprimento do
símbolo. O cordeiro não precisa mais ser lembrado com
palavras quando está ali, presente, prestes a ser imolado — em carne, sangue,
alma e missão. Diante do mistério da redenção que se aproxima, o silêncio não é
omissão, é plenitude.
Na
mesa do Sêder, três elementos compunham a liturgia memorial: o pão, o vinho e o
cordeiro. No entanto, ao renovar o sentido da Ceia, Jesus destaca apenas dois:
o pão e o vinho. Não porque o cordeiro perdeu valor, mas porque seu valor
foi consumado n’Ele. O pão já não representava apenas o alimento da pressa,
nem o vinho o fruto da festa. Agora, ambos se tornam memória viva do corpo e do
sangue do verdadeiro Cordeiro — que, por isso mesmo, não volta ao prato,
porque foi entregue de uma vez por todas.
Essa
omissão aparente é, na verdade, o testemunho definitivo: o Cordeiro está ali, à
mesa, e irá à cruz. O símbolo é absorvido pela realidade. A profecia se
encarna. A sombra se curva à luz.
O
teólogo anglicano John Stott, em sua obra-prima A Cruz de Cristo,
observa com precisão: a ausência do cordeiro na fala de Jesus não representa
uma lacuna, mas o ápice da revelação simbólica. Ele não precisa dizer: “Eu
sou o cordeiro” — Ele é o Cordeiro. Sua morte iminente grita mais alto
do que qualquer afirmação verbal. O cordeiro da nova aliança já não se repete a
cada ano. Ele morre uma vez — e para sempre.
A
confirmação dos evangelhos: João vê e aponta
A
teologia do cordeiro em Jesus não depende apenas de Paulo, como se afirma no
vídeo citado. O próprio evangelista João relata que, ao ver Jesus se
aproximando, João Batista exclama: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo!” (Jo 1:29). Uma expressão densa, cheia de ecos veterotestamentários,
especialmente da tipologia do Êxodo e das palavras de Isaías sobre o Servo
Sofredor (Is 53:7), levado como cordeiro ao matadouro.
É
também João quem relata, com detalhe litúrgico, que Jesus morre exatamente no
momento em que os cordeiros pascais eram imolados no Templo (Jo 19:31–36). E é
João quem conecta a morte de Cristo ao cuidado profético da Páscoa ao dizer que
nenhum de seus ossos foi quebrado — tal como exigia o mandamento mosaico (Êx
12:46; Sl 34:20). Isso não é acaso. É cumprimento.
A
leitura rabínica messiânica: quando o cordeiro ganha voz entre os judeus
Mas
a beleza do argumento cristão sobre Jesus como o Cordeiro Pascal não repousa
apenas sobre os pilares da teologia sistemática reformada ou patrística. Ele
encontra eco também entre rabinos messiânicos, judeus que, crendo em Yeshua
(Jesus) como o Messias, nos ajudam a reler a tipologia mosaica com os olhos do
cumprimento. E que reforçam: o Cordeiro do Êxodo era uma sombra. Cristo é a
substância.
Um
dos mais respeitados nomes nessa linha é o rabino Dr. Jonathan Bernis, autor de
A Jewish Guide to the Passover e líder do ministério Jewish Voice
Ministries International, com sede em Phoenix, Arizona. Bernis afirma com
veemência que o Cordeiro Pascal — o Korban Pesach — era uma antecipação
profética da obra de redenção consumada por Yeshua na cruz, e que todos os
elementos da celebração do Sêder apontam, profética e simbolicamente,
para Ele.
Outro
expoente é o rabino messiânico Itzhak Shapira, autor do impactante The
Return of the Kosher Pig. Shapira, nascido em Israel e rabino ordenado,
dirige a Yeshivat Shuvu, uma escola internacional de discipulado
messiânico. Em seus ensinos, ele demonstra como o Mashiach ben Yosef — o
Messias Sofredor — se manifesta de forma inequívoca na Páscoa, e como Jesus
cumpre perfeitamente os requisitos do Cordeiro sacrificial, tanto em sua
inocência quanto no momento de sua morte: “na hora em que os cordeiros eram
mortos no Templo, Yeshua entregava seu espírito na cruz.”
Caberia
ainda mencionar o testemunho de Dr. Michael Brown, teólogo judeu-messiânico,
autor de Answering Jewish Objections to Jesus, e figura presente em
debates acadêmicos entre cristãos e judeus ortodoxos. Brown não apenas
sustenta, mas argumenta com profundidade exegética que a narrativa do Evangelho
de João conecta intencionalmente Jesus ao cordeiro pascal (Jo 19:36), quando
afirma: “Nenhum dos seus ossos será quebrado”, citando o mandamento de Êxodo
12:46.
Esses
nomes e suas contribuições não apenas ampliam a base argumentativa como nos
conduzem a um entendimento mais sólido de que a fé cristã não nasceu à revelia
do judaísmo, mas brotou de dentro dele — das suas festas, da sua esperança, da
sua liturgia e da sua promessa.
Sim,
Ele é o Cordeiro
Portanto,
ao contrário do que tenta afirmar o vídeo mencionado, a identidade de Jesus
como o Cordeiro Pascal não se apoia em uma única fala de Paulo, mas numa linha
teológica profunda, ampla, coerente e revelada desde o Gênesis. Está escrita na
história de Abraão e Isaque. Está cantada nos Salmos. Está desenhada nos
contornos do Êxodo. Está dramatizada nos evangelhos. Está celebrada na Ceia. E
está proclamada no Apocalipse, onde João declara que o Cordeiro está no trono e
recebe honra, glória e poder para todo o sempre (Ap 5:12–13).
Negar
isso não é só um problema de interpretação. É um problema de revelação. Porque,
para quem tem olhos de fé, o Cordeiro sempre esteve lá. Na mesa, na cruz… e no trono.
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