“Todos
aqueles que se julgam possuidores da verdade são inquisidores.
...
A tentação dos absolutos é uma característica universal do espírito humano.
Todos queremos possuir a verdade. E para possuir a verdade é preciso que se a
engaiole. E para engaiolar a verdade é necessário engaiolar a liberdade e o
pensamento”.
Rubem
Alves em Religião
e Repressão
Enfim a primeira fase da disputa pela
eleição presidencial terminou, e com isso uma nova e mais acirrada disputa se iniciou
desde as primeiras horas, logo que os eleitos para o segundo turno foram
conhecidos. Novas alianças e apoios são buscados e novos discursos são definidos.
Novas táticas e estratégias são planejadas. Tudo outra vez com vistas ao mesmo
objetivo; a presidência da república.
Até aí nada novo. Esse balé de
movimentos contundentes e pouco sutis é próprio do jogo político que se
desenrola como num tabuleiro de xadrez. Tudo sempre muito bem estudado.
Atitudes claras para fins nem tanto, encerram em si intenções muitas vezes
incompreendidas de tão óbvias. Os dois lados querem chegar ao poder e para isso
não medem esforços.
Mas o que vem me preocupando na
verdade, é a novidade da militância digital. Nunca na história desse país, as redes sociais foram tão
abertamente utilizadas no processo de difamação, desqualificação,
desconstrução, apoio e defesa desse ou daquele candidato. E nas últimas semanas
essa utilização cresceu assustadoramente, não só no facebook, mas também pelo
whatsapp e outros tantos aplicativos e redes sociais.
Não que eu seja contra o uso dessas
tecnologias e modelos de comunicação com essa finalidade. Muito pelo contrário.
Considero tal utilização bastante inteligente e interessante, porque aumenta a
abrangência e as possibilidades de informação e conhecimento dos candidatos, suas
características e propostas.
Mas o que vejo com pesarosa e
crescente preocupação, é que essas redes sociais, a princípio formadas por
pessoas que têm algum tipo de vínculo de amizade ou conhecimento, estão se
tornando arenas de batalhas de verdades
absolutas, onde opositores anteriormente amigos entre si, chegam mesmo a se
descartarem, em nome da defesa de suas posições, crenças ou convicções. É claro
que na maioria das vezes, tais descartes ocorrem entre pessoas cujos vínculos
já eram bastante frágeis. Mas presenciamos particularmente casos em que amigos
de longa data colocaram fim em suas relações, por pura intolerância à opinião
do outro.
Ora, se as defesas acirradas de pontos
de vistas divergentes, vêem sendo capazes de abalar ou mesmo terminarem
relações de amizade, que tamanhos prejuízos não poderão causar entre oponentes
ideológicos, que sequer se conhecem ou experimentaram qualquer nível de
consideração mútua? Assusta-me, na verdade, e o que me dá medo, é a crescente
demonstração de intolerância com a opinião alheia, com as preferências do
outro, sejam elas de que ordens forem. Na verdade me apavora a escalada
galopante do pensamento rancoroso; nós contra
eles. Quase todos têm se colocado intoleravelmente a favor ou contra alguma
coisa ou alguém. Alarmados, presenciamos o crescimento do ódio.
Alguns poderão achar exagero o que
estou dizendo, mas a verdade é que toda onda de intolerância se inicia na crença
e na convicção de que a razão ou a verdade absoluta e incontestável está de um
só lado e a esse lado pertence. E coincidentemente é sempre do meu lado que está essa pretensa verdade. E creiam; esse processo é
silencioso e sutil. Ele se espalha rápido, mas em silêncio. Ele avança sobre as
relações, sobre as amizades, camaradagens e circunstantes. Logo nós somos os corretos e eles os errados. Nós os mocinhos e eles os
bandidos. Nós merecemos a vitória e eles a derrota. Num estágio mais a
frente, nós merecemos a vida e eles a morte. Morte a todos eles se não pensarem como nós.
Por mais que um e outro candidato se
entenda o eleito, por mais que essa
ou aquela ideologia se apresente como a salvadora
em detrimento da outra, podemos e devemos conviver com nossas divergências e
crenças individuais. Ninguém nem instituição alguma jamais será dona da verdade
absoluta. A verdade não se deixa engaiolar em preceitos e declarações que a
tentam seqüestrar e dela se apropriar. A verdade é livre para caminhar pela
história e pelas circunstâncias, de modo a transitar adequada e
convenientemente de um lado a outro conforme sua pertinência. Um dia dorme conosco. Outro dia amanhece com eles.
Portanto, se ninguém é dono da
verdade, que tal debatermos nossas convicções com alegria e camaradagem,
entendendo e aceitando que afinidades podem ir além de escolhas políticas, de
um time para torcer, ou de uma religião para seguir. Que tal ouvirmos com
tolerância e indulgência o que o outro tem a dizer ou opinar. Ou alguém duvida
que batalhas, guerras e suas conseqüentes mortes e destruição, nada mais são do
que a expressão máxima da intolerância levada às últimas conseqüências?
Assim, vote em quem quiser. Acredite
no que quiser e bem entender. Predileção não é agressão; é apenas uma escolha
por afinidade. Opção não é declaração de guerra; é exercício da liberdade,
conquistada ou imanente. Vamos todos respeitar o pensamento do outro, dando uma
lição de cidadania e maturidade, aos que pretendem nos inflamar com o discurso do
ódio e do medo. Discursos tão ultrapassados em conteúdo, mas ainda muito eficazes
na motivação à intolerância e ao separatismo.
Não posso crer que lutamos tanto para
termos a democracia de volta em nosso país, para acabarmos retrocedendo na
história, até aos anos das guerras de classes, das inquisições e do fascismo.
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