“Se o dogmatismo crê que existe
uma única verdade possível, que por ele é exaustivamente conhecida, o fundamentalismo
impõe tal verdade como possibilidade única aceitável, sendo tudo o mais um
equívoco que carece de conversão. Qualquer que seja o custo”
JLjr
Não faz muito tempo, conversamos aqui
sobre intolerância, utilizando como cenário as eleições e o comportamento da
militância de ambos os candidatos, evidenciando a forma violenta com que vêem
se agredindo mutuamente na certeza de que detêm, exclusivamente, a verdade
sobre fatos, acusações e sobre o que é melhor para o nosso país. O artigo teve
o resultado esperado e muito se falou sobre essa intolerância naquela semana.
Mas um outro tema foi levantado em
meio aos comentários sobre o artigo; o avanço presumido e perigoso de um fundamentalismo
religioso, já tão evidente em nossos dias, e que de certa forma atuou como uma
espécie de coadjuvante nos beligerantes embates entre os mesmos militantes.
É importante ressaltar, portanto, que
se algum fundamentalismo religioso se espraia na sociedade, ele não está ligado
a posicionamento teológico, mas sim no comportamento dos religiosos, na atitude
que vêem demonstrando diante de determinados conceitos relacionados à vida e à
sociedade.
Assuntos como legalização do aborto,
descriminalização da maconha e casamento gay, entre outros, têm gerado uma
polarização acirrada de argumentações antagônicas, que tem colocado em lados
opostos diversos setores da sociedade, com evidência flagrante dos setores
religiosos e de liberais movimentos pró-minorias.
O mais interessante, contudo, é notar
que ambos os lados têm agido com fundamentalismo declarado, embora apenas um
dos lados esteja sendo chamado pejorativamente assim. Sim, porque se por um
lado os religiosos agem com defesa contundente e profética em nome da moral e
dos bons costumes, do outro os tais setores liberais vêem agindo com
raivosa intolerância, até mesmo contra quem emite mera e simplesmente sua
opinião contrária, acusando indiscriminadamente a todos os que se atrevem a
contrariá-los, de retrógrados, homofóbicos e até assassinos. Será que intransigência
virou moda?
Ora, a quem interessa o
recrudescimento de tais comportamentos, senão àqueles que se acreditam detentores
da verdade única e última, que não pode e nem deve ser sequer contestada, ou
questionada nos seus pressupostos e intenções. Sim, o fundamentalista acredita
ser o guardião da verdade insofismável, e em sua marcha rumo ao estabelecimento
dessa verdade como modelo único e possível, de contexto ou crença, ele se dá o
direito de utilizar-se de todo e qualquer meio, desde que a pretensa verdade se
estabeleça e se firme inabalável. Vale tudo nessa marcha. Os fins passam a
justificar os meios, como numa Inquisição,
como numa Revolução Bolchevique.
É preciso viabilizarmos um terceiro
vetor, que relativize ambas as posições já tão ampla e duramente defendidas,
tornando possível não só a discussão abrangente e digna dos temas, mas também e
principalmente promover o convívio dos divergentes, que devem acomodar suas
posições de forma conciliadora, para o bem da sociedade. Se por um lado não
será com legislação que defenderemos a visão cristã da vida humana, uma vez que
vivemos em meio a uma sociedade plural em suas tendências religiosas e
filosóficas, também não será impondo preferências e as obrigando aceitáveis,
que minorias serão respeitadas nos diferentes grupos sociais, pois
comportamento e respeito não se impõem; se adquire e se constrói.
Cabe-nos, portanto, pensar como
cristãos e cidadãos, lembrando que por principio temos um estado laico, e que
direitos e deveres não devem se confundir com santidade e devoção a Deus.
Porque se vivermos em uma sociedade transformada, não serão leis liberais que
propiciarão o pecado, bem como não será tornando o pecado crime legal, que ele
deixará de ser cometido. Ou será que estamos pretendendo transferir a
responsabilidade de sermos sal da terra e luz do mundo para o Código Penal Brasileiro?
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