“1 Ora, a fé é a certeza de que
haveremos de receber o que esperamos, e a prova daquilo que não podemos ver. 2
Porquanto foi mediante a fé que os antigos receberam bom testemunho.
3
Pela fé compreendemos que o Universo foi criado por intermédio da Palavra de
Deus e que aquilo que pode ser visto foi produzido a partir daquilo que não se
vê. "
Hebreus 11:1-3 - RA
Ainda falando da fé como independente
de provas e contra-provas, seria interessante reafirmarmos o caráter incondicional
da crença no contexto da redenção. Sim, porque num mundo que se caracteriza
pelo pragmatismo das utilidades e de seus resultados, tudo o que um indivíduo
empreende necessita, por vício de adequação social, estar ligado a alguma
utilidade que conduza a um certo resultado prático. Nesse contexto maniqueísta,
qualquer conjunto de crenças precisa estar sustentado por alguma racionalidade,
algum sentido lógico, mesmo que não resistam tais crenças a argumentações
preliminares sobre suas coerências e pertinências. O importante é ter fé em alguma coisa, diz a sabedoria popular.
Mas na prática, em que é que se deve
crer, para que a defesa do conjunto das crenças que nos tocam, seja aos mesmo
tempo capaz de satisfazer a consciência que se percebe necessitada do sagrado, bem
como capaz de conferir um certo status de admiração e respeito pela
racionalidade pretendida por essa mesma fé. Assim, quanto mais comprovações
daquilo que se acredita puder ser reunida, sobre qualquer pretexto, é preciso relacionar
em um conjunto de argumentações bem organizadas e arrumadas criteriosamente,
para que a defesa daquilo que se crê, possa ter grande penetração e convencimento.
Convencimento! Essa então parece ser
uma palavra mágica, capaz de inebriar algumas pessoas na perseguição do poder
de impor a outros aquilo em que acredita. Quanto mais convincente, atraente. E
quanto mais atraente, sedutor. A sedução é capaz de encantar as massas; e
encantadas, as massas são manipuláveis. A manipulação confere poder. E poder é
tudo que mais interessa, àqueles que argumentam sobre a pertinência de suas próprias
crenças, com vistas a sobrepujar a fé de outros.
Ora, nem precisamos ir tão longe de
onde estamos, para conferir se o que proponho tem algum fundo de realidade. Na
internet, nas diversas comunidades teológicas, evangélicas, e em milhares de vídeos
pelo Youtube, lideranças religiosas e estudiosos proeminentes se digladiam
diuturnamente, buscando convencer seus interlocutores de que seus pressupostos
são mais verdadeiros que os de seus oponentes, utilizando textos bíblicos e
pensamentos de toda ordem. Às vezes o fazem baseados em um mesmo texto bíblico,
contextualizados obviamente nas conveniências particulares de cada um.
Ora, se hipoteticamente eu me
coloca-se entre esses diversos defensores de suas crenças particulares, e de
suas argumentações depende-se para decidir em que é que eu iria crer, aquele
que me fosse mais sedutor, dado o seu contundente esclarecimento, teria sobre
mim exercido poder, convencendo-me de que suas idéias fazem mais sentido que a
do outro. Ou seja, finda a batalha pela minha alma, o vencedor levaria por
despojos de guerra uma mente convencida da razoabilidade de um determinado
conjunto de crenças, que se tenha demonstrado mais aceitável ou provável, segundo
minha capacidade de percepção. No entanto, meu coração não necessariamente estaria
cativo junto com a minha mente. Aliás, as sensações costumam mesmo não seguir a
razão. Convencimento, portanto, não é conversão.
“6 Em verdade, sem fé é impossível agradar
a Deus; portanto para qualquer pessoa que dele se aproxima é indispensável crer
que Ele é real e que recompensa todos quantos se consagram a Ele."
Hebreus 11:6 - KJA
Quando Deus se revela ao longo da
narrativa bíblica, Ele não o faz para tornar-se provável em sua existência, ou mesmo
para definir um modelo de conduta, ou uma filosofia de vida que deva ser
seguida por um grupo de pessoas a quem denomina Seu povo. Aliás, a existência
de Deus é um conceito não problematizado pela Bíblia. Não há nela trecho algum
que se ocupe em defender sua existência. Ao contrário, partindo do pressuposto
de que quem de Deus se aproxima crê que
Ele existe, a Bíblia ocupa-se em revelar Deus e toda sua essência pessoal,
Perdoem-me a analogia improvisada, mas
a entendo plenamente adequada ao que queremos demonstrar. A coisa funciona mais
ou menos como em um chat pela internet. Duas pessoas, sem trocar fotos, iniciam
um papo interessante e agradável. Um e outro vão se revelando em gostos e
predileções, escolhas e formas de ver o mundo. Ao longo de muitas conversas
essas pessoas se encantam mutuamente, mesmo sem terem se visto. Nem rosto ou
silhueta, uma da outra. Passado algum tempo, percebem que já não sabem mais
viver uma sem a outra. A vida de ambas se resume em horas intermináveis diante
do computador, e o fato de ainda não se conhecerem fisicamente já não faz a
menor diferença. Suas verdades intrínsecas, suas personalidades desnudas,
revelaram mutuamente que foram feitas uma para a outra. Suas essências se
encontraram antes de suas formas temporais e corruptíveis. Desse encontro às cegas
nasceu o amor.
Mal comparando, repito, esse é o
propósito da Bíblia. Revelar o Criador de forma crescente e harmoniosa,
cadenciada, de modo que o desvelo de seu ser vá descortinando um alguém
impressionantemente interessado por mim. Amoroso e zeloso, que ainda que não
faça qualquer distinção entre as pessoas, move tudo e qualquer coisa para me
buscar e me manter perto d'Ele. E diante desse insondável ser, flagrando-me
completamente envolvido por seu cuidado e encantado por seu amor, já não me importa
nem um pouco qualquer coisa que se pretenda provar a seu respeito. Porque
informação alguma, argumento algum, por mais racional que seja, por mais contundente
que se apresente, mesmo que extremamente sedutor, me afastará, ou me fará desistir
desse amor, que surgiu não de mim para Ele, mas que nasceu em mim em resposta
ao amor revelado n'Ele.
“38 Portanto, estou seguro de que
nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem
quaisquer poderes, 39 nem altura nem profundidade, nem
qualquer outra criatura poderá nos afastar do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus, nosso Senhor."
Romanos 8:38-39 - KJA
Portanto a Bíblia revela o encontro de
Deus com a humanidade. A narrativa bíblica apresenta um Deus Criador, cuidadoso
e dedicado. Detalhista nas condições de sustentabilidade e autonomia, gerando
um ser humano capaz e cheio de potencialidades. A relação com sua criação é
próxima e interativa, porém compulsória, à medida que esse homem desconhece
qualquer outra possibilidade. Assim, tal relação ainda que intensa é desprovida
de plena liberdade. O amor não é pleno em ambiente em que não haja liberdade. O
amor pleno só pode existir legitimamente, quando há liberdade para que os
amantes decidam entre amar e não amar.
A Bíblia avançou na história, e
revelou uma humanidade rebelada, desejosa de uma independência capaz de lhe
atender os próprios interesses. O homem abandonou o Criador, em atitude unilateral,
supondo que esse mesmo criador lhe escondia algo; uma capacidade encoberta de
ser tão deu,s quanto Deus era o Criador. Já não bastava ser essencialmente
imagem do Criador. Era desejável e atraente o seu poder e conhecimento
irresistível. Se o homem pudesse ser tão deus quanto Ele, o Ser criador já não
seria tão primordial e necessário. A humanidade então exerceu o pleno direito
de liberdade e rejeitou Deus e sua relação com Ele.
Longe de Deus e exilado de seu
cuidado, uma vez que dele mesmo partiu a iniciativa de ser livre, a humanidade inteira caminhou errante, protagonizando situações
alternadas de aproximação e afastamento, que construíram ao longo dos séculos
um conhecimento do Criador, a quem ela mesma virou as costas. Acontecimentos narrados
de modo a revelar um Deus constantemente desejoso de resgatar e reaproximar o
homem.
Assim, a narrativa bíblica subverte a
lógica das relações, em que o ofensor deve buscar o ofendido para resgate da
relação rompida. E em vez disso, o próprio Deus, o ofendido, o abandonado,
aquele a quem viramos as costas, faz o caminho no sentido da humanidade. E na
impossibilidade do homem se fazer deus, Ele se faz homem, redimindo toda sua
criação e resgatando a relação com todos nós, um a um, por intermédio de Jesus,
o seu Cristo. O redentor.
Findo o registro histórico na Bíblia,
inaugura-se um tempo de salvação em que a relação Deus-humanidade se faz fruto
da decisão divina de nos amar. Passamos a desejar outra vez ser iguais a Ele,
mas agora com Ele e para Ele, e não
mais como Ele e no lugar d'Ele.
Resumindo-se assim, pretensiosamente,
a revelação divina contida na Bíblia, pode alguém apontar em que parte caberiam
incondicionalmente? A Bíblia não fala de regras, mas da incapacidade dessas
mesmas regras aproximarem o homem de Deus. Não fala de filosofia de vida ou
inteligência de comportamento; isso privilegiaria uns em detrimento de outros
conforme circunstâncias inimputáveis. A Bíblia, em lugar disso tudo fala de
amor, revela um Deus amoroso, que espera que por esse seu amor sejamos
atraídos. E não por provas. Afinal, bem-aventurados
aqueles que não viram, mas creram.
Olá, meu amigo.
ResponderExcluirLendo hoje o seu texto observei que você viajou em várias vertentes para falar da conversão.
Quando você situou conversão e convencimento me fez lembrar de um querido professor da minha pós, que dizia: "Como é chata uma pessoa recém convertida. Ela foi convencida de que está no caminho certo, daí ela tenta converter todos que estão a sua volta com o intuito de convencer a si mesma que fez realmente a escolha certa." E concordando com você, para mim, conversão é algo muito mais além do que um convencimento de que se está no caminho certo.
Em outro momento quando você relata o propósito da Bíblia em revelar um Deus amoroso, interessante e sedutor, que cria uma intimidade para juntos iniciarmos e mantermos uma relação harmoniosa, fazendo uma analogia com um encontro às escuras na internet, foi simplesmente sensacional.
Quando você fala: "O amor pleno só pode existir legitimamente, quando há liberdade para que os amantes decidam entre amar e não amar." eu percebo o quão Deus é feito de amor, quero dizer, o quão Deus é Amor. O quanto as amarras que insistem em colocar como uma forma de nos atrelar a Ele estão mal interpretadas. Elas existem sim, mas não por imposição, mas sim por consentimento, por nos acharmos tão intimamente ligados a Ele que precisamos ser amarrados, nós é que nos amarramos com total liberdade, por nos sentirmos pertencentes a El. Por nos sentirmos verdadeiramente Seus filhos.
Simplesmente amei!.
Um beijo no coração.
Gladys Oliveira