sábado, 28 de março de 2015

"Só acredito vendo". E quem não viu?





24 Contudo, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando Jesus apareceu. 25 Os outros discípulos, no entanto, anunciaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!” Mas ele respondeu-lhes: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não acreditarei.”
26 Após oito dias, os discípulos estavam reunidos ali outra vez, e Tomé estava com eles. As portas estavam trancadas; quando Jesus apareceu, pôs-se no meio deles e disse: “A paz seja convosco!” 27 Então dirigiu-se a Tomé, dizendo: “Coloca o teu dedo aqui; vê as minhas mãos. Estende tua mão e coloca-a no meu lado. Agora não sejas um incrédulo, mas crente.” 28 E Tomé confessou a Jesus: “Meu Senhor e meu Deus!” 29 Ao que Jesus lhe afirmou: “Tomé, porque me viste, acreditaste? Bem-Aventurados os que não viram e creram!"
     João 20:24-29 - KJA

Quando decidi criar esse blog, pretendia ocupar-me com abordagens diferentes, mas nem sempre e não necessariamente contrárias. Na prática, significaria que os conceitos teológicos comumente aceitos seriam em sua maioria os mesmos, mas as abordagens e as argumentações buscariam observar e encaminhar os assuntos por trilhos menos frios e duros, do que aqueles por quais costumam trilhar o pensamento apologético de comprovações e de certezas. E nesse tema, em especial, não poderia ser diferente.

Assim, em vez de gastarmos tempos infinitos na discussão sobre a inerrância da Bíblia e na defesa de sua inspiração, pretendendo apresentar provas que garantam uma crença insofismável naquilo que ela nos relata, prefiro deixar que o exercício epistemológico se encarregue de defender-se a si mesmo, garantindo-se ou não por afirmações que se pretendem absolutas e inequívocas. Na verdade há mestres maravilhosos que fizeram isso com maestria. Eu, por minha vez, prefiro concentrar-me no objetivo final da narrativa bíblica, cujo exercício de exposição dispensa o enfadonho labor da comprovação, trocando a exaustão do fato, pela sensação do afago, ainda que sem desprezar a verdade; mas essa desejada e percebida, jamais imposta ou obstinada. A Bíblia pretende tão somente revelar Deus, anunciando seu amor e apresentando sua redenção.

Partindo da premissa de que Deus não é um ídolo, e muito menos um objeto inanimado, a cuja observação e estudo se presta imóvel, aguardando impassível pelo resultado das análises humanas, não podemos e nem devemos implementar avaliação qualquer que seja, partindo do pressuposto de que nossas conclusões de hoje serão as mesmas de amanhã ou depois. Estaria assim hereticamente defendendo alguma mutabilidade em Deus? Não, de forma alguma, mas é impossível imaginar que tanto as circunstâncias dos observadores, quanto o momento histórico em que tais observações acontecem, não influenciam direta ou indiretamente o resultado de qualquer análise responsável e honesta. Em outras palavras, o encontro com Deus se altera em sua ambiência e relevância, bem como em seus conteúdos e propósitos, a medida que avançam no tempo e na história da humanidade, e por suas próprias percepções do mundo em que habita. Sim, porque ainda que Deus seja o mesmo, o homem que com Ele se relaciona e o observa obviamente não o é, transformado que foi pela soma dos encontros anteriormente protagonizados por seus antepassados. O encontro com Deus é necessariamente transformador.

Desse modo, entendo que se torna mais pragmática e enriquecedora, a experiência da análise das afirmações bíblicas, não a partir dos atributos imutáveis de Deus, ou das comprovações sôfregas de sua pertinência na atualidade, mas a partir da narrativa simples e por assim dizer romanceada de seus fatos e ilustrações em seus respectivos contextos históricos, nas quais Deus se revela em todos os aspectos de seu ser, convivendo com as oscilações e contradições da humanidade em transformação. Uma história de relacionamento dinâmico, em que as circunstâncias se alternam no desvelo de Suas pretensões e vontade. Mais do que um manual contendo regras de conduta e bem viver, a Bíblia é uma fonte inesgotável de histórias e possibilidades da relação Deus-humanidade, onde o seu amor se apresenta desde a criação, atraindo essa mesma criatura de volta para perto de Si mesmo, e redimindo-a de vez, ao fazer-se tão humano, quanto mais humano um homem pode ser.

Por essa razão, a Bíblia assim considerada, como o grande romance da relação de Deus com a humanidade, ganha aspectos de causa e efeito simultaneamente e em um só volume, sendo responsável tanto por levar o homem ao conhecimento do que o encontro com Deus é capaz de realizar em sua vida, quanto por servir de sustentação e orientação para a caminhada de fortalecimento nessa mesma relação. Ou seja, a Bíblia tanto exerce o fascínio da atração, quanto acolhe o desejo pelo conhecimento do Deus a quem anuncia e revela. Sendo assim, não foi a verdade garantida ou comprovada que atraiu o crente à Bíblia, mas o amor revelado e sentido na seqüência de suas páginas. Realidade ou não, fato ou mito, o amor de Deus revelado e concebido arrebata o homem que se enche de amor de volta, preferindo-O a tudo o mais que viveu, vive ou poderia viver adiante.

Imagino que a essa altura, os defensores da teologia clássica e das acadêmicas defesas apologéticas já tenham rasgado suas vestes, ou popularmente falando, já tenham colocado meu nome na boca do sapo. Azar, porque ainda lhes darei razões supinamente mais contundentes para me execrarem. Isso porque, segundo penso, qualquer comprovação que se pretenda tornar irrefutável aquilo que afirma a Bíblia, retira dela o propósito de registro da história da fé humana e da relação de Deus com o homem, passando a lhe conferir um perfil de livro técnico-científico, onde se registram fatos comprovados e por assim dizer irrefutáveis. Em outras palavras, a Palavra deixa de ser uma revelação para ser uma constatação. E por óbvia constatação, não mais uma comunicação de fé, mas sim de inevitável realidade, incondicional e irresistível. A verdade comprovada se impõe à opção de nela se crer. Suprime a liberdade de se colocar ou não fé.

Creio que em outro texto eu já tenha utilizado essa analogia, mas a repetirei aqui por ser bastante adequada, ainda que resumidamente. Na antiguidade cria-se que a Terra era quadrada ou um plano que se estendia até ao horizonte dos olhos. Galileu foi condenado por afirmar não só que ela era redonda, mas que também era ela que girava em volta do sol, e não o contrário. Por tempos a discussão se arrastou, e ainda algumas pessoas resistiam com alguma dúvida disso, até que a primeira foto da Terra foi tirada a partir do espaço. Pronto, não cabia mais qualquer dúvida. Comprovada que foi a tese de que a Terra é redonda e que é ela que orbita em volta do sol, quem tinha convicção disso passou a ter certeza. E por sua vez, quem duvidava deixou de ter o privilégio da dúvida, sob pena de ser considerado louco, por alienado que se fizesse de uma realidade incontestável. Assim não há mais crença ou fé em um pressuposto. Uma prova inconteste que aceita-se irresistível, acata-se, sem qualquer valor de crença.


1 Ora, a fé é a certeza de que haveremos de receber o que esperamos, e a prova daquilo que não podemos ver. 2 Porquanto foi mediante a fé que os antigos receberam bom testemunho.
3 Pela fé compreendemos que o Universo foi criado por intermédio da Palavra de Deus e que aquilo que pode ser visto foi produzido a partir daquilo que não se vê. "
     Hebreus 11:1-3

Portanto, para que haja fé não pode mesmo haver comprovação. Na fé, a verdade que se percebe não se constata; é antes uma convicção incondicional que independe da realidade. Logo, a verdade da fé é aquilo que se comprova apenas pela sensação de se estar no caminho certo. Suspeitas tão intensamente palpáveis, quanto concretas são suas esperanças. Um fundamento do que se espera surgir do nada.

Ora, então se alguém depende de provas ou indícios táteis para crer em Deus e naquilo que a Bíblia narra, ainda que entenda a algo semelhante ter alcançado, nada sabe, nada entende, e na verdade em nada crê. Como diz Hebreus, a fé é a certeza... a fé é a prova.


Finalizando, ou começando; quem sabe onde isso vai parar? Luto para que o diálogo teológico se torne mais humano, como coisa de humanas é. De exatas, já bastam a matemática e a física, que jamais alteram seus produtos, ainda que se troquem a ordem dos tratores, na montagem do viaduto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Detesto falar sozinho. Dê sua opinião. Puxe uma cadeira, fale o que pensa e vamos conversar...

Powered By Blogger